Em vésperas da greve anunciada pelos trabalhadores da Higiene Urbana, Carlos Moedas fez uma conferência de imprensa para dizer três coisas aos lisboetas: que o acordo feito com os trabalhadores estava a ser cumprido, que os sindicatos tinham outras motivações em ano de eleições e que a greve era injusta.Comecemos pelo óbvio: no dia em que não for um incómodo, a greve esgotou-se enquanto modelo de contestação. Chamar injusta a uma greve é um choradinho e um passa-culpas, incompreensível ao vir de um dos maiores empregadores do país. Na habitual guerra dos números, a Autarquia falou de uma adesão inferior a 50%; o sindicato, em mais de 60% - e só não foi maior, dizem, por imposição dos serviços mínimos e pela “intimidação geral” feita aos trabalhadores. Acontece que estes números não foram a única divergência grave. Carlos Moedas garantiu que o acordo celebrado com os trabalhadores da Higiene Urbana em junho de 2023 está a ser cumprido; o Sindicato dos Trabalhadores de Lisboa (STML) diz que apenas 35,8% desse acordo avançou (dos 14 pontos essenciais, nove não terão sido cumpridos) e ainda acusa Moedas de “iludir os lisboetas e os trabalhadores do município” ao falar de eleições em vez de assumir responsabilidades - o que não é propriamente uma novidade. Carlos Moedas acusou os sindicatos de se recusarem a negociar; mas estes recordaram o memorando entregue em maio de 2024 a exigir o cumprimento do acordo e o imobilismo da Autarquia que se seguiu. Carlos Moedas diz que contratou 400 novos trabalhadores para a Higiene Urbana; o sindicato diz que há um défice de 208 face ao mapa de pessoal e lembra que mais de 22% desta força “está diminuída fisicamente ou de baixa por acidentes de trabalho”.Carlos Moedas diz que reforçou as verbas na Higiene Urbana (e até fez um foguetório com o aumento anunciado para 2025); mas os dados do STML referem que 45,2% das viaturas para remoção do lixo, quase metade, estão inoperacionais. A prova de que o problema do lixo na capital não se deve à falta de dinheiro, mas a má gestão. Só assim se explica que se pretenda garantir a recolha do lixo sem os meios essenciais.E os lisboetas? Como viram esta greve? Dos testemunhos ouvidos, destaco o de um senhor que nem tinha notado que os trabalhadores estavam em protesto, já que o cenário era aquele a que já estava habituado. Outros perguntaram por que não são reforçados os circuitos no dia a dia, se é possível fazê-lo para minimizar os efeitos da greve. E houve quem questionasse o que aconteceria se a adesão tivesse sido de 100%. Por tudo isto, só é possível dizer que Lisboa está a regressar ao seu novo normal: suja e negligenciada, mesmo sem greve. De uma Câmara que teve para 2024 o astronómico orçamento de 1,3 mil milhões de euros, custa aceitar que não tenha sequer a capacidade para manter a cidade limpa. Custa aceitar que, em mais de três anos, não tenha promovido um estudo ou criado um programa com uma nova estratégia para a Higiene Urbana. Que resultados diferentes se podem esperar quando se faz exatamente o mesmo? Poder-se-ia dizer que esta greve tinha tido, pelo menos, o mérito de alertar a consciência do Presidente. Mas, na hora do balanço, Carlos Moedas repetiu aos lisboetas as mesmas três coisas que já tinha dito antes: o acordo estava a ser cumprido, o interesse dos sindicatos é político-partidário e a greve foi injusta.Assim, não vamos lá. Presidente da Junta de Freguesia de Alcântara