Sobre os tempos políticos de incerteza
1 À luz dos dados vindos a público, nomeadamente neste jornal, e que serão apresentados no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), Portugal terá condições para continuar a estar entre os países mais pacíficos do mundo. A criminalidade geral participada terá descido 4,6% relativamente a 2023 e a violenta e grave terá tido subido 2,6%. Uma das menores subidas dos últimos dez anos. E terá diminuído o número de homicídios. Ora, olhando para os números da mesma tipologia de crimes, em 2024 houve menos 62.542 crimes gerais participados do que em 2004 e menos 7482 crimes na criminalidade grave. Importa sempre lembrar que os fluxos humanos em direção ao nosso país têm vindo a aumentar muito significativamente: 19,4 milhões de hóspedes estrangeiros. A que acrescem os fluxos de estudantes internacionais, investidores e cidadãos migrantes. Mais vida nas nossas vilas e cidades.
É devida, pois, uma palavra às forças e aos serviços que contribuem para estes resultados, em tempos de especial exigência.
2 As eleições na Madeira provam que o partido outrora hegemónico continua maioritário, embora tendo perdido força. Essa hegemonia perdeu-se por altura da saída de Alberto João Jardim e pela emergência da liderança de Miguel Albuquerque. Esse é o período em que o PS mais cresceu. Nas autarquias e na votação para o governo regional. Entretanto, o enraizamento do PSD nas estruturas culturais, sociais e económicas da região e a vontade de estabilidade do povo madeirense, encarregou-se de conferir ao incumbente uma maioria confortável. Para já, quem mais beneficia da perda desse poder hegemónico e do desgaste dos partidos tradicionais é o JPP. No meu entender, não devem ser extraídas ilações nacionais de uma eleição regional. Por serem realidades muito distintas e por permitir tentativas de aproveitamento impróprias de quem tem especiais deveres institucionais. Uma palavra aos que, pese embora as dificuldades, nunca atiraram a “toalha ao chão”, batendo-se por projetos alternativos.
3 Sobre o contexto político nacional, algo de muito importante se soube nos últimos dias. Como é público, entendi que o Presidente da República deveria fazer um esforço para persuadir as lideranças políticas a encontrarem uma saída para a crise. Ora, soubemos agora, pela palavra do senhor Presidente da República, que este fez um esforço para persuadir Luís Montenegro a não apresentar a moção de confiança. Se Montenegro tivesse dado ouvidos ao Presidente da República, teria evitado a crise política no País.
4 Há uma decisão política que merece ser valorizada. O BE decidiu convocar a experiência de Francisco Louçã, de Fernando Rosas e de Luís Fazenda. Em diálogo com Ricardo Araújo Pereira, pudemos ver o quão fulgurante é a inteligência de Louça. É por entender como muito positivo o seu regresso que gostaria de o contraditar no que disse sobre a “geringonça”. Quanto à sua génese; quanto aos responsáveis pelas suas conquistas e quanto ao seu desfecho. A sua origem deve-se ao mérito partilhado entre António Costa (PS), Jerónimo de Sousa (PCP) e Catarina Martins (BE). As conquistas devem-se naturalmente a todos, mas, muito especialmente a quem liderou o processo político durante esse período, ou seja, ao Partido Socialista e às qualidades de liderança de António Costa. A rutura que provocou eleições antecipadas foi da responsabilidade dos que, ainda durante a pandemia, chumbaram o Orçamento Suplementar que permitia responder às necessidades das populações, nomeadamente ao reforço do SNS. Voto esse, depois, reafirmado no chumbo do Orçamento de Estado, a propósito das matérias da saúde e da legislação laboral. Estamos totalmente de acordo na vontade de combater os populismos e a demagogia que hoje ameaça os fundamentos democráticos. Mas, naturalmente, sem dar lugar ao revisionismo da história recente. Antes pelo contrário, fazendo dela aquilo que ela também foi: uma boa experiência de diálogo e cooperação parlamentar que teve em vista servir o País, recuperando a esperança no futuro depois de um período traumático de assistência financeira internacional.
5 O que mais vai marcar o futuro próximo terá que ver com as condições de governabilidade do País. Essa é a razão por que é necessário haver entendimentos futuros em torno de matérias essenciais. Além das matérias de segurança, defesa, política externa e justiça, há uma agenda democrática a cumprir e que deve ter a saúde, a habitação, a economia e os rendimentos, a educação, a cultura, a ciência e o ensino superior; o território, a coesão, os transportes e a mobilidade, a demografia, o combate à pobreza e às desigualdades no centro das suas prioridades.
6 Tanto mais que a democracia no mundo continuou a andar para trás no ano de 2024. De acordo com o relatório V - Democracia, da Universidade de Gotemburgo, com a coordenação para os países lusófonos e do sul a cargo de Tiago Fernandes (ISCTE), em 2024 havia 88 democracias e 91 autocracias no mundo. Com outros regimes híbridos noutro grupo de países. Há mais população a viver em autocracia do que em democracia e há três fatores que mais marcaram este declínio: a censura dos órgãos de comunicação social; a interferência nas eleições e o controlo da sociedade civil, nomeadamente no que respeita à liberdade de associação e de manifestação.
O que estes dados ilustram é que só mesmo um entendimento democrático, amplo, entre as forças políticas e sociais sobre as respostas às necessidades mais imediatas e aos desafios mais estratégicos permitirá às novas gerações olhar para o futuro da democracia com confiança.
Deputado do P.S.