Sigilos

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Numa decisão pouco compreensível, o Ministério da Educação e o IAVE decidiram que as provas finais do 9.º ano deste ano lectivo deveriam ser de carácter “não-público” (n.º 2 do artigo 16.º do Anexo ao Despacho Normativo n.º 2-A/2025, de 3 de março), não sendo publicitado o seu enunciado após a sua realização, nem os próprios critérios de classificação, contrariando a prática corrente.

Essa decisão surgiu após a que determinou que essa realização deveria acontecer em suporte digital, embora em formato híbrido, com algumas respostas a serem feitas em papel.

A justificação apresentada para o sigilo baseou-se no princípio de que os itens poderiam ou deveriam ser usados em anos posteriores para permitir uma comparabilidade dos resultados dos alunos, o que é algo estranho em termos de boas-práticas e contraria as recomendações transmitidas às escolas para a realização, por exemplo, das provas de equivalência à frequência.

O carácter sigiloso destas provas é ainda muito contestável, pois nega aos alunos (e à opinião pública) a possibilidade de verificar a sua adequação aos conteúdos programáticos e às aprendizagens consideradas “essenciais”, ainda em vigor. É uma opção que contraria o princípio da transparência de algo relevante para o percurso escolar dos alunos, pois são provas com algum impacto no seu aproveitamento final.

Além disso, atendendo às precárias condições técnicas com que estas provas são realizadas, desconhece-se que medidas foram tomadas - se é que foram - para assegurar que existem medidas de cibersegurança que contrariem as possibilidades da transmissão para o exterior do conteúdo das provas, em tempo real ou diferido, pois há ferramentas (como o Chrome Remote Desktop) que permitem o acesso remoto a equipamentos digitais sem necessidade de conhecimentos informáticos muito avançados e sem que isso seja visível por qualquer vigilante ou através de uma verificação prévia, necessariamente breve, dos computadores dos alunos.

Claro que pouco depois da realização da prova final de Matemática, com o subterfúgio de surgir em modo manuscrito, o enunciado e a sua correcção surgiram, pelo menos, num espaço das redes sociais, com a alegação de que a reconstituição tinha sido feita com base na memória de alguns alunos. O que é possível, mas altamente improvável, atendendo aos detalhes gráficos apresentados. Quando escrevo este texto, ainda não é possível saber se o mesmo se passou com a prova de Português, apesar do reforço de avisos aos professores vigilantes por parte do Júri Nacional de Exames.

Só que as verdadeiras questões não passam pela vigilância em si, mas pela opção anómala pela opacidade de processos e pela ausência aparente de medidas preventivas de cibersegurança. Não adianta querermos uma transição digital na Educação, se ao nível das entidades tutelares parecem existir evidentes equívocos, se não mesmo uma clara incompetência.

Professor do Ensino Básico.

Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico

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