A vida antiga tinha raízes, talvez a futura as venha a ter. A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, do futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós,sem teto entre ruínas, à espera...Raúl Brandão Andam os tempos de mudanças, mas quem pode dizer que não as esperava? Os europeus levam tempo a desprender-se da ideia de uma comunidade de valores e princípios com os Estados Unidos e continuam a projetar uma imaginada comunidade de interesses na relação transatlântica. A nova liderança americana é aterradora, mas espelha bem o movimento a que estamos a assistir na Europa, de reforço de uma direita sem peias, nem medidas.Se desviarmos o olhar da máquina do mundo para o continente em que vivemos, só nos ocorre a frase de Raúl Brandão “sem teto entre ruínas”. Deixámos o teto que nos protegia entregue a cuidados alheios e um dia haveríamos de despertar sem esses cuidados, a contemplar a abóbada celeste com os olhos rasos de água.A Europa resiste mal à cumplicidade de russos e norte-americanos a investirem em força na sua extrema-direita. As democracias sabem-se frágeis, mas não se cuidam. Somos um cabo da Ásia, mas julgamo-nos ainda senhores do mundo, como nos séculos passados. Não somos. O mundo aprendeu a passar sem nós e nós não aprendemos a passar sem o mundo.Penso que nunca, como hoje, foi necessário haver Europa e nunca, como hoje, foi tão difícil soerguê-la.Os europeus nunca uniram os seus sonhos, embora tenham sido capazes de conjugar um mercado liberal com uma proteção social do Estado eficaz. A crise desse modelo é-nos trazida pelos seguidores das grandes potências de hoje: os Estados Unidos, a Rússia e a China, com seus modelos autocráticos, mascarados de individualismo moral.Que pode a Europa? Saberá defender o seu frágil modelo democrático e social e construir novas alianças? Saberemos ir além da Taprobana?A nossa dimensão atlântica não pode ser vista como uma mera dependência da América, antes como um trunfo que trazemos à Europa. O Atlântico orienta-nos também para o Sul que, seja ou não global, nos vem trazer parceiros e caminhos. A nossa identidade de portugueses é uma identidade europeia e, à Europa, podemos trazer perspetivas e horizontes, se não nos deixarmos limitar.As ortodoxias do passado não podem servir de grelhas inquestionáveis para os dias de hoje. Quem poderia antever os líderes dos Estados Unidos e da Rússia a darem-se as mãos sobre o sangue vertido na Europa? Vivemos, como diziam os chineses, verdadeiramente tempos interessantes.Diplomata e escritor