Sebastianismo, provincianismo, fascismo, cheguismo e trumpismo

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Para a Daniela e João Nuno,
violentados no Porto por 
neo-fascistas do Chega.
Porque defender a democracia
implica não fazer festas
a cobras.

João Lúcio de Azevedo (1855-1933) é hoje um nome que pouco ou nada diz à maioria dos portugueses. É pena. Tal como tantos outros ensaístas e pensadores da nossa história cultural, a sua obra está votada ao esquecimento. Só em alfarrabistas o podemos encontrar. Mas Lúcio de Azevedo compreendeu bem que o sebastianismo só como símbolo existe. O derramamento de sangue, a ideologia do ódio, isso jamais Lúcio de Azevedo postulou. Guerra às ideias, paz aos homens. Fernando Pessoa (1888-1935), que por meio da sátira visou António Salazar, disse ser o sebastianismo um projecto de civilização, não de barbárie. O sebastianismo, que hoje alguns pretendem ver em André Ventura, é sinal de perigoso provincianismo. Haveria que reler João Lúcio de Azevedo.

Tudo isto porque sob a protecção da PSP, paga com os nossos impostos, organismo que deveria proteger os cidadãos e que, infelizmente, se encontra minado por tanto pensamento neo-nazi e fascista, é grave que uma cidadã portuguesa, mulher nascida já depois do 25 de Abril, honrada e honesta contribuinte portuguesa, seja alvo de ataque por parte de elementos de uma manifestação do Chega numa rua do Porto. Com que mentira irá André Ventura - que mente descaradamente sobre tudo e todos - defender a razão deste facto: uma mulher portuguesa é atacada por homens (cobardes, como todo o fascista) por gritar “Não passarão!!”? Foi isto no Porto, cidade do Liberalismo, de Garrett, donde houve nome Portugal…

O Chega explora as chagas sociais que muitos anos de democracia não resolveram. É verdade que, à custa da corrupção de muitos políticos, muitos sentem que este país tem leis terríveis, impostos brutais, desigualdades inaceitáveis. Mas não há comparação entre o Portugal de Salazar e o de hoje. Se é certo que é preciso dar condições de vida a quem nasceu e vive cá, também é justíssimo que os que vêm de fora e nos ajudam em diversos planos do quotidiano sejam protegidos por um regime democrático que só pode fortalecer-se na mesclagem das culturas.

Como explicar, em 2024, a vitória de Trump na democracia americana? Uma das explicações deu-a Bernie Sanders: a esquerda democrática virou as costas aos trabalhadores. Restam os extremos. Portugal, hoje, não pode senão percorrer o caminho do bom-combate: esse mesmo que Daniela Rodrigues, contra a bestialidade, o racismo, o machismo legitima o grito: “Não passarão!”. Tudo contra o neoliberalismo-fascista e o tecno-fascismo alienante e escravizante.

É uma lição da História: Rosa Luxemburgo, Walter Benjamin, Klaus Mann, Soljenitsyn, tantos outros, pagaram altíssimo preço ao combaterem os totalitarismos. A razão pela qual eles reapareceram é só uma: os nossos políticos esqueceram que quando se tem uma serpente no jardim, não há que hesitar: é esmagá-la, como ensina Jesus de Nazaré.

Ora, se a solução para a democracia é acreditar em salvadores da pátria, sejam eles novos generais, empresários do deus-dinheiro ou histéricos políticos especializados na mentira, onde errámos? Resposta: na educação. Resultado: não será difícil adivinhar o óbvio: em eleições livres todos votarão num Sebastião qualquer, até porque é mais fácil haver quem decida por nós. O problema para os bárbaros é que sempre haverá quem, como a Daniela, lembre “Grândola Vila Morena” - a democracia.

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