Receituário para minimizar os impactos de um “apagão”

Publicado a

Comecemos pelo princípio. Nunca se está preparado para as situações de contingência de baixo determinismo e de elevado impacto, mas o planeamento e a aplicação de rotinas trabalhadas e testadas, evitam a perda de tempo, orientam as ações e em situações de crise e catástrofe, salvam vidas.

A situação que se viveu em Portugal esta segunda-feira, não pode ser apelidada de crise nem nada que pareça, mas para o cidadão que se habituou a viver dependente de um conjunto de meios e capacidades, a falta de uma delas acaba por criar disrupções onde todos ralham e ninguém tem razão, não esquecendo que a proximidade de eleições exacerba a vontade do aproveitamento positivo e negativo do sucedido. E ver isto de fora, como é agora o meu caso, acaba por me proporcionar o distanciamento necessário para analisar o modelo de atuação numa situação destas.

Sejamos pragmáticos e deixemos juízos de valor para os que procuram causas e não soluções. Eu, pessoalmente, prefiro as soluções.

Portugal tem uma estrutura de resposta organizada que, explorada nas corretas condições conforme o que está legislado, permite evitar derivas na resposta e a consequente perda de tempo. Assim, numa situação como a que ocorreu ou minimamente similar, há 4 ações fundamentais e previstas na nossa organização como Estado. A saber:

1. Convocar de imediato o Gabinete Nacional de Segurança a fim de se perceber de que forma é que o que está a suceder pode impactar nos perfis de proteção a aplicar a infraestruturas, principalmente àquelas que são críticas.

2. Reunir o Conselho Superior de Segurança Interna, que funciona no âmbito do Sistema de Segurança Interna (SSI) e assiste o Primeiro-Ministro e o Governo (que tem elementos presentes) no exercício das suas competências em matéria de segurança interna, nomeadamente na adoção das providências necessárias em situações de grave ameaça à segurança interna (funcionou inexcedivelmente aquando das Jornadas Mundiais da Juventude e seria uma forma de integrar toda a informação e conduta operacional de todos os agentes e forças de segurança e de proteção civil).

3. Ouvir de imediato o Presidente do Conselho Nacional do Planeamento Civil de Emergência, para se aquilatar do que foi feito anteriormente para salvaguardar a continuidade da normalidade institucional (O Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, criado pelo Decreto-Lei n.º 43/2020, de 21 de julho, visa garantir a organização e preparação dos setores estratégicos do Estado para fazer face a situações de crise, tendo como fim assegurar, nomeadamente a liberdade e a continuidade da ação governativa, o funcionamento regular dos serviços essenciais do Estado e a segurança e o bem-estar das populações. Este Presidente é por inerência o Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) e participa na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna, citado no ponto anterior e daí a relevância do SSI neste sistema de resposta).

4. No âmbito do Sistema de Segurança Interna, promover apenas um ponto único de comunicação institucional por forma a manter a ligação com o Governo, coordenar a manobra da comunicação, e evitar alarmismos e desinformação.

Todos estas 4 ações podem e devem ser acionadas simultaneamente e as ações 2, 3 e 4 já foram testadas (com excelentes resultados) e treinadas aquando da organização das Jornadas Mundiais da Juventude. A palavra-chave é “coordenação”, que evita manobras dispersas, inconsequentes, que delapidam recursos e podem gerar confusão e caos.

A partir daqui é conduta e contingência, devendo ser tudo gerido, neste patamar de crise, pelo Secretário Geral do SSI e com a presença dos responsáveis das instituições anteriormente referidas e outras que se tornem necessárias. Ter sempre presente que crises mais graves podem exigir outro tipo de processo de decisão.

Em termos de ação governativa e para este caso em concreto que sucedeu este segunda-feira importa relevar os seguintes aspetos que ajudam a minimizar os impactos do sucedido:

1. Ativar o Plano de Emergência Energético e declarar estado de emergência energética se a crise se prolongar, ou se tiver um grande impacto disruptivo inicial, enquanto simultaneamente se priorizam os setores essenciais: hospitais, segurança pública, comunicações, abastecimento de água, proteção civil.

2. Efetuar uma comunicação transparente, centralizada e frequente, informando a população imediatamente sobre a situação, explicando, se possível, as causas, duração prevista, e sobretudo o que se está a fazer para manter a normalidade. Principalmente disseminar instruções claras para uso responsável da energia.

3. Mobilizar fontes de energia de emergência, ativando centrais disponíveis que possam ser rapidamente operacionalizadas e informando da sua disponibilidade em caso de necessidade, afim de se tranquilizar as pessoas. Também utilizar geradores de emergência em hospitais, transportes públicos e centros logísticos (que devem ser testados obrigatoriamente em tempo de normalidade e sujeitos a coima se tal não for observado).

4. Assegurar reservas estratégicas de gasóleo, gás natural e gasolina para serviços essenciais e se vier a ser necessário, controlar e priorizar a venda de combustíveis.

5. Apoiar a população vulnerável, criando Zonas de Concentração e Apoio à População (ZCAP), centros de apoio para pessoas sem acesso a energia, especialmente idosos, doentes e famílias vulneráveis (a ANEPC tem já um longo historial e experiência na criação de ZCAP de emergência, com garantia de alimentos, água e abrigo, principalmente em caso de agravamento da crise).

6. Preparar o restabelecimento e acautelar futuras crises, iniciando imediatamente uma análise crítica das infraestruturas elétricas através do CNPCE e investir no reforço da rede elétrica, armazenamento de energia e redundância da dependência energética (para um país que ocupa o extremo ocidental do continente europeu, essa redundância tem de ser um objetivo estratégico do Estado Português).

Se se fizer tudo o que anteriormente foi dito, a situação de crise fica resolvida? Claro que não, mas minimiza-se em larga escala os impactos para as pessoas e é isso sobretudo o que devemos perseguir como servidores do Estado, ou seja, servir as pessoas. E quando servimos as pessoas em geral, estamos também a servir o Estado. E porque no fim da linha, quem paga o Estado são as pessoas.

Antigo presidente da ANEPC

Diário de Notícias
www.dn.pt