Que desburocratização?
O primeiro-ministro que vai continuar a ser, declarou “guerra à burocracia” e o seu apego à tarefa da desburocratização, nomeando um ministro para a “Reforma do Estado” (DN, 6 de Junho de 2025), como se isso fosse uma novidade e não apenas um novo nome para aquilo que em tempos já foi designado como “Reforma Administrativa” (entre 1978 e 1983 tivemos três ministros da dita) ou “Modernização Administrativa/do Estado” (desde 2015, do efémero Rui Medeiros a Alexandra Leitão, já que Margarida Balseiro Lopes foi só da “modernização”). Aliás, já Alberto Martins foi ministro da “Reforma do Estado” entre 1999 e 2002. Nenhuma novidade, portanto.
Um problema frequente nesta matéria é confundir-se “burocracia” com algo que deveria ser o seu oposto. Porque, num Estado moderno, complexo, de múltiplas relações entre a Administração Pública e os cidadãos (e entre eles), um aparelho burocrático competente, assim como procedimentos claros para regular essas relações é indispensável para o seu eficaz funcionamento. Outra coisa é a existência de uma Administração Pública dependente dos humores políticos e procedimentos mal concebidos, com base em abundante legislação incoerente e cheia de convenientes alçapões.
Por isso, quando se fala em “desburocratização” é importante perceber-se o que está em causa, pois, por exemplo na área da Educação, o que já aconteceu foi uma “implosão” que deixou o aparelho administrativo sem autonomia política e uma reduzida capacidade técnica (a nível central) ou corresponde à mera mudança de nome para a mesma coisa (no caso dos emaranhados formais ao nível das escolas). Repare-se no que se tem passado com a determinação dos professores em falta: o ministro desconfia da capacidade dos serviços que tutela para o calcular e encomendou uma auditoria externa que ainda nada produziu.
Um processo de verdadeira desburocratização não pode, por isso, significar três fenómenos que só agravam a desconfiança dos cidadãos, a saber:
-- Desregulação - mesmo numa perspectiva liberal, o Estado tem um papel essencial na regulação e fiscalização do funcionamento das múltiplas áreas da vida social e económica. Isso só se consegue com um aparelho administrativo qualificado e competente e não com a sua amputação sem critérios claros.
- Redundância - um processo de “desburocratização” não pode traduzir-se na criação de múltiplas comissões e grupos de trabalho (internos ou externos) para conceber, aplicar, monitorizar, avaliar, etc., esse mesmo processo.
- Privatização - a “reforma do Estado” não pode corresponder ao recurso permanente à contratualização externa para assegurar funções públicas, multiplicando encargos, sem ganhos de qualidade, celeridade ou eficácia, de que o exemplo do cálculo da falta de professores é apenas um entre muitos, desde que a “Reforma Administrativa” foi elevada a ministério com Rui Pena, em 1978.
Professor do Ensino Básico.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico