Quatro questões sobre as demolições em Loures

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A demolição de cerca de 60 habitações ilegais em Loures, por ordem da autarquia, é um acontecimento que deve ser analisado com objetividade, mas sem perder de vista que existe um bem maior, o respeito pela dignidade humana. As demolições foram muito contestadas pelos habitantes e pela associação Vida Justa, tal como o DN deu conta nos últimos dias e pode ler também na reportagem assinada pelo jornalista Vítor Moita Cordeiro, que publicamos nesta edição. Já o autarca de Loures, Ricardo Leão, publicou um vídeo nas redes sociais onde defende que as construções ilegais no Bairro do Talude “são inaceitáveis”, por colocarem em causa a “segurança, a salubridade e a dignidade das pessoas”.

O presidente garantiu que a câmara está a apoiar as pessoas afetadas e queixou-se de um linchamento mediático. “Há movimentos e associações e figuras públicas que em nome de uma suposta solidariedade acabam por promover a indignidade. A ideia de que basta construir uma barraca, ocupar ilegalmente um terreno ou instalar sem regras para ter de imediato uma casa é profundamente desonesta para com as mais de mil famílias que estão em espera por habitação municipal, mas também para as que cumprem, que aguardam com dignidade e confiam nas regras e nas instituições”, afirmou, acrescentando que o problema das barraca requer uma resposta a nível nacional.

A situação é complexa e não existem respostas fáceis para o dilema que uma situação destas representa para qualquer autarca. Se não fizer nada, a construção de barracas vai continuar; se fizer, deixará dezenas de pessoas na rua, literalmente a dormir ao relento. Se não agir, a situação pode alastrar a outras áreas do concelho, com a crise da habitação e o afluxo de imigrantes (incluindo, eventualmente, muitos ilegais) a contribuírem para o fenómeno. Se agir, arrisca ser acusado de desumanidade.

Por fim, Ricardo Leão tem razão quando diz que a resposta à existência de bairros de barracas não pode ser dada apenas por uma autarquia. É necessária uma atuação concertada entre as diferentes câmaras da área metropolitana e também por parte do Governo.

Dito isto, olhemos para quatro questões que merecem ser colocadas.

Em primeiro lugar, é necessário questionar se a resolução do problema por esta via não se limita a criar um problema ainda maior. Defender a dignidade das pessoas destruindo-lhes o frágil abrigo que lhes serve de casa, sem lhes dar alternativa, é no mínimo questionável.

Em segundo, importa esclarecer o que fez, de facto, a Câmara Municipal de Loures para apoiar as famílias desalojadas. Ajudou-as a encontrar alternativas? Fez tudo o que estava ao seu alcance?

Em terceiro, Ricardo Leão diz que há mil pessoas à espera de habitação social no concelho e que essas têm prioridade, o que se compreende. Porém, assim sendo, por que não demolir as barracas apenas quando existirem habitações sociais disponíveis para todos? Podemos imaginar uma possível resposta: a existência de casas camarárias para todos não será algo se perspetive para breve - e muito menos a tempo de umas eleições que vão decorrer num contexto em que, aparentemente, parece render votos uma certa insensibilidade social para com os estrangeiros pobres, os imigrantes ilegais e outras minorias que vivem mais ou menos à margem.

Por fim, uma questão que se coloca sobretudo ao Estado central. O que será preferível: investir em habitação pública e dar condições básicas às pessoas, ou ver a situação social agravar-se e, mais tarde, ter de gastar o dinheiro dos contribuintes em medidas securitárias e outros paliativos?

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