Quando Portugal Apagou: as autarquias ficaram abandonadas à sua sorte

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Na segunda-feira, 28 de abril, Portugal viveu um momento de tremenda anormalidade. O apagão que paralisou o continente durante quase 11 horas e expôs, de forma crua, uma realidade que nós, autarcas, conhecemos bem: nos momentos críticos, são as autarquias que seguram o país.

Às 11h30, quando o fornecimento de energia elétrica colapsou por toda a Península Ibérica, em Vila Real de Santo António, como em todo o país, a vida suspendeu-se. No entanto, passado o primeiro momento de perplexidade, a máquina municipal entrou imediatamente em ação.

A nossa Comissão Municipal de Proteção Civil reuniu de emergência. Mobilizámos pessoas, equipamentos e esforços para prestar apoio a diversas entidades e à população, sobretudo aos cidadãos mais fragilizados.

Fizemo-lo sem qualquer orientação central. Sem uma única diretriz do poder central. Sem um telefonema sequer.

O que se verificou foi uma evidente falta de orientação e de informação, com cada serviço de Proteção Civil a atuar isoladamente. O Primeiro-Ministro, autoridade máxima da Proteção Civil no país, não promoveu qualquer articulação com os autarcas, autoridades máximas da Proteção Civil a nível local. Foi notória a ausência de comunicação do ponto de vista político.

Em Vila Real de Santo António, como em todos os restantes 277 municípios afetados do continente, foram os autarcas que deram as respostas às suas comunidades. Foram os funcionários municipais que saíram para a rua. Foram os bombeiros, as forças de segurança, os profissionais de saúde locais que, em conjunto connosco, estiveram no terreno com coordenação exemplar e sentido de missão.

E foram os cidadãos que, com serenidade admirável, evidenciaram o melhor que há em nós. Em cada bairro, em cada rua, vi vizinhos a ajudarem-se mutuamente, comerciantes a oferecerem o que podiam. Foi comovente constatar que, quando tudo falha, a humanidade prevalece.

Mas não podemos normalizar o falhanço do Estado central. Não podemos aceitar que, perante uma crise de dimensão nacional, não exista uma estratégia global, uma coordenação eficaz, uma comunicação clara.

Não se trata de apontar culpas partidárias. Trata-se de exigir que o Estado funcione. Que os mecanismos de resposta a crises sejam eficazes. Que exista uma verdadeira orientação e partilha por parte do Governo.

O apagão elétrico evidenciou uma outra falha no sistema: o apagão da responsabilidade central. E isso é inaceitável num país europeu em 2025.

Este é o momento de repensar o modelo de gestão de crises em Portugal. É o momento de reconhecer o papel insubstituível das autarquias e de as dotar dos recursos e da informação necessários para responderem ainda melhor.

Porque quando Portugal se apaga, são as luzes do poder local que continuam a iluminar o caminho. Não por opção, mas por necessidade. Não por protagonismo, mas por responsabilidade. É da proximidade às pessoas que nasce a nossa força. É do conhecimento do território que nasce a nossa capacidade de resposta.

No próximo apagão – que esperamos que nunca aconteça, mas para o qual devemos estar preparados – que haja uma verdadeira rede de resposta, em que o poder central e o poder local trabalhem em sintonia.

As pessoas merecem-no. O país exige-o. E nós, autarcas, continuaremos cá, na linha da frente, a fazer a nossa parte. Sempre. Com ou sem luz. Com ou sem apoio. Com ou sem reconhecimento. Porque é isso que as nossas comunidades esperam de nós.

Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

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