Quando as vantagens são também desvantagens
A entrevista que Luís Marques Mendes concedeu ao podcast Soberania, que pode ler no DN, é interessante a vários níveis e vale a pena ler, assistir em vídeo ou ouvir no Spotify.
A entrevista confirma que os dois principais candidatos à Presidência da República têm em comum uma visão sobre os grandes desafios que o país e a Europa enfrentam no plano económico, social e geopolítico. Tanto o almirante Gouveia e Melo (que esteve no Soberania na semana passada), como Marques Mendes defendem um modelo de sociedade que combina a liberdade de iniciativa com a manutenção do Estado Social. Ambos propõem um investimento virtuoso na Defesa, que estimule a inovação e a criação de postos de trabalho, gerando mais receita fiscal e um reforço das contribuições para a Segurança Social. E os dois consideram que o futuro de Portugal passa pela integração no espaço europeu, sem colocar em causa a aliança com a grande potência marítima do nosso tempo, os Estados Unidos. A respeito destes temas, não existem grandes diferenças entre as duas personalidades que lideram as sondagens para as eleições presidenciais do próximo ano. Até porque ambas poderão ser descritas como pertencentes às grandes famílias da social-democracia e da democracia-cristã (no sentido lato do termo), que no sistema político português correspondem sobretudo ao PS e à AD, as forças políticas do “centrão”.
Onde estão, então, as grandes diferenças entre Gouveia e Melo e Marques Mendes? Diria que dizem respeito, sobretudo, às suas personalidades e percursos de vida, ou, para sermos mais exatos, à forma como são estes percecionados pelos portugueses. São aspetos que representam potenciais vantagens e desvantagens para as respetivas candidaturas, e que serão determinantes para os apoios que as mesmas vão receber na corrida para a eleição do próximo Presidente da República, que é, recorde-se, o único órgão de soberania que corresponde a uma pessoa concreta. Estamos perante uma situação em que as vantagens de cada um dos candidatos podem ser simultaneamente desvantagens, dependendo do ponto de vista.
O almirante, que segue à frente nas sondagens, evoca o arquétipo do militar que promete agir com retidão e colocar a piolheira na ordem, encontrando apoio nas profundezas da psique lusa. Sempre admirámos, como povo, as figuras determinadas que enfrentam os lobbies e as corporações. São aqueles líderes que arriscam e “fazem”, tendo como contraponto o país da proverbial paroquialidade, da melancolia, das cunhas e dos arranjinhos. E isto não tem a ver com ser de esquerda ou de direita, autocrata ou democrata, competente ou não, medíocre ou grande. Gouveia e Melo é visto por muita gente como alguém que decide e atua de forma eficaz. E este será, digamos, o grande ponto a seu favor, para mais no atual contexto internacional de conflitos e incerteza.
Já as suas desvantagens serão duas: por um lado, essa mesma reputação de determinação e autoridade não cai bem junto de grande parte do eleitorado, sobretudo à esquerda, mas também à direita, no país que teve a mais longa ditadura da Europa Ocidental. Por outro, a sua inexperiência em funções políticas, num cargo que exige um grande jogo de cintura e capacidade de negociação nos bastidores, de modo a que o Presidente seja um fator de estabilidade política e não o contrário. Embora essa inexperiência, que para muitos eleitores significa simplesmente a ausência de cadastro, constitua, ao mesmo tempo, uma vantagem, sobretudo se o almirante conseguir manter-se longe do campo do populismo e tiver cuidado com as muitas cascas de banana que lhe serão colocadas no caminho para Belém.
Por sua vez, Marques Mendes tem como principal vantagem competitiva a sua longa experiência política, que, pelo menos em teoria, o capacita para exercer a magistratura de influência que se espera do Presidente da República, ajudando a desbloquear impasses e a alcançar consensos em temas-chave para o futuro de Portugal. Por outro lado, os seus “estados gerais” contam com a participação de pessoas de vários quadrantes ideológicos, o que ilustra a sua capacidade de fazer pontes, sobretudo à esquerda, que poderão revelar-se decisivas numa eventual segunda volta contra o almirante.
Como desvantagem, Marques Mendes tem precisamente essa mesma experiência política, bem como a sua profissão de advogado de negócios, numa altura em que muitos procuram um Presidente que represente um corte com o passado e um murro na mesa do statu quo. E as semelhanças, reais ou imaginárias, com o estilo de Marcelo, também não ajudam a que seja visto como candidato de mudança.
Partindo do princípio de que não surgem outros nomes de peso, poderemos concluir que o desfecho da corrida vai ser decidido pela capacidade que estes dois homens terão, ou não, de transformar as respetivas desvantagens em vantagens. E, ainda, pela forma como o contexto político, em Portugal e no mundo, vier a impactar a situação económica e social do país.
Diretor do Diário de Notícias