Quando a idade pesa para condenar: mais um caso (deveras) insólito

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Motivada pela realização da Jornada Mundial da Juventude, a Lei n.º 38-A/2023 instituiu um regime de amnistia e perdão de penas para ilícitos penais de menor gravidade praticados até 19 de junho de 2023. Limitou, contudo, o seu âmbito subjetivo a indivíduos com idades entre 16 e 30 anos à data da prática do facto. Esta restrição etária levanta sérias dúvidas quanto à constitucionalidade atento o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). A temática foi já objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 471/2024, o qual para surpresa generalizada da comunidade judiciária, considerou fundada e razoável a diferenciação, com apenas um voto contra (bem tirado e muito bem fundamentado, diga-se).

Na realidade, o artigo 13.º da CRP estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei e que ninguém pode ser privilegiado ou prejudicado em razão de fatores como ascendência, sexo, raça, entre outros. Embora a idade não seja ali expressamente mencionada, temos no mínimo, dificuldade em perceber qual a legitimação para a diferenciação etária estabelecida, pois ela implica uma diferenciação de tratamento judicial baseada exclusivamente na idade.

Na verdade, os cidadãos condenados por ilícitos penais praticados até 19 de junho de 2023 encontram-se em situações juridicamente comparáveis, independentemente da sua idade. A diferenciação só seria constitucionalmente admissível se existisse uma justificação objetiva e razoável, ou seja, se a medida fosse adequada, necessária e proporcional para alcançar um fim legítimo.

Ora, as finalidades declaradas da Lei n.º 38-A/2023 incluem a promoção da reinserção social, a redução da sobrelotação prisional e a comemoração de datas relevantes para o país. Mas, estas finalidades são aplicáveis a todos os cidadãos condenados, não havendo uma ligação intrínseca entre a idade e a aptidão para a reinserção social ou a necessidade de descongestionar o sistema prisional.

A restrição etária não se fundamenta em critérios objetivos que justifiquem a exclusão de indivíduos com mais de 30 anos. O Governo, da altura, aprovou e a maioria dos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional sancionaram uma ignomínia difícil de explicar aos cidadãos com mais de 30 anos que, por isso mesmo, são menos merecedores de perdão ou menos capazes de se reintegrar na sociedade.

A medida impõe necessariamente um sacrifício desproporcional aos direitos fundamentais dos cidadãos com mais de 30 anos que são privados do benefício da amnistia, sem uma razão legítima ou proporcional que o justifique. Já agora, na mesma linha de raciocínio, a amnistia só se deveria aplicar a cidadãos católicos até 30 anos…

É simplesmente mau demais para ser verdade e constitui a decisão mais infeliz do Tribunal Constitucional de que há memória.

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