Quando a energia falha, a comunicação não pode falhar
O apagão que ocorreu em 28 de Abril mergulhou Portugal na escuridão e revelou vulnerabilidades muito mais profundas do que apenas a falha do fornecimento elétrico. Trouxe à superfície a nossa atual dependência absoluta da rede móvel e da Internet.
De norte a sul, do interior às grandes cidades, o país paralisou, não apenas pela falta de luz, mas também pela interrupção dos serviços digitais que sustentam a mobilidade, os pagamentos, a gestão de emergências e a nossa vida quotidiana.
Com a falha de energia, chegou também o colapso da verdade. Em poucas horas, multiplicaram-se as fake news nas redes sociais e nos grupos de mensagens, agravando a incerteza. Circularam falsas acusações de ciberataques russos, teorias meteorológicas infundadas e notícias antigas recicladas como atuais. Sem comunicação fiável, sem redes móveis e Internet estáveis, a desinformação tomou o lugar da informação oficial, ampliando o pânico e minando a resposta organizada.
O impacto no dia-a-dia dos cidadãos foi imediato e generalizado, com terminais de pagamento Multibanco a ficarem inoperacionais, não apenas pela falta de energia, mas também pela interrupção dos serviços de Internet, mesmo em farmácias e supermercados equipados com geradores.
O apagão dos semáforos provocou o caos no trânsito urbano e os hospitais viram-se obrigados a operar em modo de contingência, com sistemas clínicos inacessíveis e limitações nas comunicações internas. Empresas de todos os setores ficaram sem acesso às suas plataformas de gestão, comunicação e comércio eletrónico, afetando desde operações logísticas até simples transações comerciais.
O país parou não apenas pela falta de luz, mas porque a ausência de redes e canais digitais, provocou o colapso da economia e dos atos mais simples da vida moderna.
Esta crise evidenciou de forma dramática que a comunicação digital é hoje tão essencial como a energia. E ambas estão ameaçadas. Se até agora as falhas eram atribuídas a incidentes técnicos ou fenómenos naturais, o futuro traz o risco crescente e mais preocupante dos ciberataques a infraestruturas críticas. A paralisia provocada por hackers capazes de desligar redes elétricas, bloquear sistemas de telecomunicações ou sabotar serviços essenciais é cada vez menos uma hipótese remota e cada vez mais uma ameaça concreta.
A isto soma-se a fragilidade da privatização de infraestruturas estratégicas, nas áreas da energia e das telecomunicações. Algumas empresas privadas, mais orientadas à remuneração dos acionistas a curto prazo, tendem a desinvestir em redundância, manutenção e segurança cibernética, exatamente aquilo que garantiria maior resiliência em situações extremas. A gestão de redes críticas não pode ficar refém de interesses financeiros imediatistas, pois exige visão pública, estratégica e de longo prazo.
Perante este cenário, é imperativo que Portugal e os seus parceiros europeus reconheçam formalmente, não apenas a energia, mas também as redes móveis e a Internet, como infraestruturas críticas prioritárias. Urge criar sistemas redundantes, reforçar a segurança cibernética e garantir protocolos de continuidade de serviços que resistam a falhas severas, sejam técnicas, ambientais ou maliciosas.
Não basta restaurar a energia. É vital garantir que, mesmo em situações extremas, o país mantenha canais seguros de informação e comunicação. Só assim se assegura a estabilidade social, a coordenação das emergências e em última análise, a confiança dos cidadãos no funcionamento do Estado.
O apagão deste Abril foi um aviso. A ameaça dos ciberataques é um grito de alerta ainda mais forte. Se não atuarmos agora, corremos o risco de, na próxima crise, ficarmos não apenas sem luz e sem rede, mas também sem rumo.
Especialista em governação eletrónica