Qual será, afinal, a distância entre Bruxelas e Washington?
A tomada de posse de Trump como presidente dos EUA despertou um coro dentro da UE. Desse coro participam os grupos políticos de PS, PSD, CDS e IL. O cântico que entoam em uníssono é o do inevitável e necessário distanciamento da UE face aos EUA. Afinam as vozes na crítica ao entusiasmo dos grupos do Chega e seus aliados, que aclamam a eleição de Trump como a nova vinda do Messias. Procuram encontrar a sua posição própria no espaço apertado que resta entre a intenção de manter intocado o alinhamento (e subordinação) da UE com os EUA e a vontade de descolar da imagem da actual presidência norte-americana.
Quando se pergunta aos cantores em que se deve a UE distanciar dos EUA, começa o coro a desafinar.
Deve a UE distanciar-se dos EUA dando prioridade política à resposta às necessidades dos povos e a elevação das suas condições de vida? Deve a UE recusar o militarismo, a corrida aos armamentos, o desvio de recursos orçamentais para o negócio das armas e da guerra exigido por Trump? Deve a UE contrariar o crescente domínio dos grupos económicos transnacionais sobre sectores e áreas de inegável relevo na vida social e económica como acontece, por exemplo, com o controlo do sector das comunicações pelos magnatas que são hoje parte importante do apoio político de Trump?
Feitas estas perguntas, indo mais a fundo, querendo saber de caminhos de real distanciamento e apontando passos para os percorrer, acaba o coro a assobiar para o alto. Feito o desafio para que se dê demonstração real do que pode ser afinal esse distanciamento, responde o coro como na música dos Deolinda: agora não, que é hora do almoço...
Afinal, as proclamações de distanciamento da UE face aos EUA de Trump são apenas “para inglês ver”. Na verdade, não há nenhuma intenção de desalinho dessas relações, muito menos de um desalinho que pudesse significar alguma forma de alento para os povos, perante a angústia crescente com os problemas que enfrentam.
Pode haver quem entenda que estas são questões de “alta política”, daquela política que, de tão alta que anda, nunca chega a tocar-nos a pele. Só que não. Estas são mesmo questões que hão-de continuar a tocar-nos na pele, não tanto pelo desfecho do posicionamento relativo da UE face aos EUA, mas sobretudo pelas decisões quanto ao caminho feito pela UE e à sua correspondência (ou falta dela) com as aspirações e anseios das massas populares.
No aumento dos salários e das pensões, no combate ao aumento do custo de vida, na garantia dos direitos à habitação, à saúde, à educação ou à protecção social, na articulação da resposta aos problemas sociais e ambientais temos alguns exemplos de objectivos em que aquele distanciamento se poderia traduzir, com vantagem, num caminho percorrido no sentido certo, a contento da vontade dos povos.
É preciso é trocar de coro e de partitura...
Eurodeputado
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico