Qual o sistema de ensino que precisamos?

“O sistema de ensino tem 150 anos. Foi criado para servir a revolução industrial e baseia a sua estrutura na disciplina, domesticação do carácter, ensino compartimentado e vertical, e aprendizagem pela memorização”. Ken Robinson (1950-2020)
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O primeiro-ministro anunciou uma revisão da disciplina de cidadania. O ministro da Educação está a discutir com os sindicatos a revisão da carreira docente. Estamos a assistir finalmente a um debate construtivo sobre Educação. Bem precisamos: um relatório recente da OCDE (Education at a Glance 2024) revela “professores envelhecidos e com salários a encolher, investimento estagnado e mais alunos sem o ensino secundário completo”.

O problema é antigo. António Guterres foi eleito primeiro-ministro em 1995 com a ideia da paixão pela Educação. Foi mais dinheiro para o Ministério da Educação, foi criada a Parque Escolar para melhorar muitas escolas portugueses, algumas com excelentes condições, e houve uma redução do número de alunos que ajudou às contas. Como resultado tivemos algumas melhorias, mas não temos a Educação que precisamos.

Entretanto, a revolução digital cavou um fosso ainda maior entre os professores e os alunos, ou seja, entre o ensino e a aprendizagem. A nossa escola já tinha dificuldades com as gerações “obedientes”, agora sente-se perdida com uma geração “sem filtros”. Aos antigos problemas juntaram-se novos problemas. No sistema de ensino de hoje há mais alunos a gostar menos da escola e os professores estão no fundo da escala social. Tudo isto é profundamente errado.

Para termos futuro, precisamos urgentemente de valorizar a Escola, pelo que o debate agora aberto pelo governo é bem-vindo. Mas não tenho a certeza que deitar dinheiro em cima do problema seja, por si só, suficiente. É preciso valorizar o papel do professor, claro, mas também é preciso mudar o modelo de ensino. A aprendizagem é mais importante que o ensino. Temo que os resultados sejam mais do mesmo: adiciona-se uma hora de português e outra de matemática, e tira-se uma hora de francês e outra de geografia; vai haver muita “sustentabilidade” inconsequente pelo caminho; e mais algumas medidas para encher as manchetes da comunicação social.

Se ambicionamos ascender à riqueza europeia, não podemos andar a copiar o que os outros fazem. Para ultrapassar os nossos concorrentes diretos temos de ir mais fundo. Temos de pensar pela nossa cabeça e perceber quais são os nossos problemas, e a partir daí encontrar as melhores soluções para nós. Portugal não é o Reino Unido, nem a Polónia.

O atual modelo de ensino

Para um dos maiores especialistas mundiais em educação, Ken Robinson (1950-2020), “o sistema de ensino universal em vigor tem 150 anos”. Foi criado para transformar camponeses em operários e, apesar das melhorias que foram sendo adicionadas, ainda mantém muita da sua filosofia inicial: foco na autoridade e na disciplina, “domesticação do carácter, ensino compartimentado e vertical e aprendizagem pela memorização”.

Don Tapscott diz que neste “modelo industrial, o professor é um broadcaster que gera uma transmissão de informação de emissor para recetores, num só sentido, de forma linear”. Vinga a ideia de que “o aluno é visto como um copo vazio, que tem de ser cheio com o conhecimento e a sabedoria do professor”.

Só que, o que o professor ensina hoje, corre o sério risco de amanhã estar desatualizado. A informação já não é o mais importante. Este sistema de ensino produziu “bons trabalhadores” que encaixaram bem na economia do século XX. Mas a economia do século XXI pede bons outros recursos. O trabalho rotineiro e compartimentado, tende a ser substituído por sistemas automáticos. Todos temos de ser mais flexíveis, com maior capacidade para assimilar novo conhecimento e novas técnicas de trabalho. Não é ideologia, é o que pede o mercado de trabalho: “os responsáveis das grandes empresas dizem-me que precisam urgentemente de pessoas que sejam criativas e confiantes” (Robinson).

Por outras palavras, a educação pela memorização, com avaliação de conhecimento por teste escrito, produz conhecimento temporário, que se perde pouco tempo depois. Já não vivemos no tempo da escolástica, quando os detentores da informação tinham vantagem. No século XVII a informação mal circulava. Hoje o problema é saber o que fazer com tanta informação. Memorizar cria apenas a ilusão do conhecimento. Hoje, o grande desafio é saber o que fazer a tanta informação ao nosso dispor. Saber montar um projeto é muito mais importante do que memorizar os afluentes do Rio Douro ou estações de linhas de comboio que já não existem.

Estas características do ensino mundial tornam-se ainda mais salientes na cultura portuguesa. As empresas dizem que querem inovar, mas nós somos um povo avesso ao risco. Normalmente, a nossa inovação resulta em muitos logotipos e mais força de trabalho bruto. Os números não enganam: somos dos países da Europa com mais horas de trabalho semanal e menos rendimento. É simplesmente o indicador mais importante de uma economia: produtividade. A nossa forma de trabalhar está errada, precisamos de menos força braçal e mais força mental.

A nova geração é um pouco melhor, mas ainda não o suficiente. Historicamente somos um país do controlo, mas o mercado aberto da União Europeia pede iniciativa. Culturalmente tendemos a ficar à espera que nos resolvam os problemas (e enquanto esperamos dizemos mal dos nossos superiores), em vez de assumirmos a responsabilidade de os tentar resolver, se possível de forma a ganharmos vantagem competitiva (transformar problemas em oportunidades).

A Escola é uma organização que nos deve preparar para o futuro, mas a grande maioria continua a usar conceitos do passado, que já não nos servem no presente. Até quando?

Que educação precisamos?

“No mundo digital, nós aprendemos fazendo, observando e experimentando. Geralmente as pessoas não precisam de manuais para aprender como usar um browser ou um email. Apenas começam a fazer. E quanto mais fazem, mais aprendem” (Thomas and Brown). O objetivo de uma escola do futuro é aprender a aprender. Porque agora temos de aprender durante toda a vida e não apenas para os exames. Ter um canudo já não é prova de vida. Hoje um licenciado também está na fila dos desempregados, e há eletricistas a ganhar mais que arquitetos.

O professor não deve ser o dono do conhecimento, mas um facilitador de processos que ajuda os alunos a encontrarem os seus caminhos e as suas soluções. “Na nova cultura de aprendizagem, o objetivo é abordar o que não sabemos, trazer melhores questões, e continuar a fazer perguntas de forma a continuar a aprender”.

Para Paul Gerver, a chave da escola do futuro é a autonomia. O que não casa bem com currículos rígidos e isolados, professores palradores e horários estanques. Com autonomia passamos da motivação extrínseca (faço, porque vou ganhar um prémio ou evitar um castigo) para a motivação intrínseca (faço, porque quero fazer). Ou seja, passamos de “a escola é uma seca”, para “eu gosto de aprender, logo gosto da escola”. A grande maioria dos alunos sai da escola a desejar nunca mais voltar. Um bom sistema educativo do futuro, deve criar a vontade de os alunos querem voltar sempre. “Temos de encontrar formas de tornar a Educação no novo rock’n’roll. Porque a escola não é tão excitante como a Disney World?”(Gerver)

Neste novo modelo, o mais importante é o desenvolvimento pessoal, social e emocional. Em vez de produzirmos trabalhadores a metro, como ironicamente retratam os Pink Floyd no álbum The Wall, devemos educar pessoas “com mundo”. Em vez de ensinarmos o português, queremos que os alunos aprendam comunicação. Se elas souberem relacionar-se bem com os outros, estarão em boas condições para aquilo que realmente importa: darem-se bem consigo próprias. O português é apenas uma das línguas em que as pessoas se podem expressar. Na comunicação, os alunos devem desenvolver a sua capacidade de se expressarem de forma assertiva, de escrever, ler e falar em público; dominar a linguagem não verbal e conhecer a o papel central da autoestima; compreender os outros e a si mesmos; compreensão do mundo; desenvolvimento físico e criativo; e ainda capacidade para resolver problemas, com competências de lógica e numeracia.

Como integrar tudo isto num projeto de escola coerente e atrativo? Quando “as perguntas são mais importantes que as respostas”; quando a motivação é o centro da aprendizagem; quando o objetivo é aprender a aprender para consolidar autonomia; a melhor solução é uma escola assente na criatividade. Contrariamente ao que se pensa, a criatividade não é ter talento, ser artista ou publicitário. A criatividade é resolver problemas – matemáticos, sociais, empresariais, pessoais, artísticos, etc – de forma do diferente. E os caminhos para lá chegar, são todo um projeto educativo. Desenvolvem competências como: confiança, curiosidade, conhecimento, análise, síntese, cultura, experimentação, observação, comunicação, etc. Não há empresas inovadoras, sem colaboradores criativos.

Muito mais há para dizer. Fica aqui este apelo para que haja ambição e coragem no desenho do nosso futuro. Sem melhor educação nunca sairemos do fundo da Europa. A criatividade é a melhor resposta para a Escola, e sobretudo para o futuro da economia portuguesa. Nos próximos artigos irei dar um pequeno curso de criatividade.

Para mentes curiosas.

*Gestor e especialista em criatividade

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