Publicidade no serviço público de televisão

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A recente notícia de um proposto fim da publicidade pelo Governo nos canais televisivos da RTP criou algum alarme. Porque significaria necessariamente uma diminuição relevante do financiamento disponível para esta entidade. Porque acompanhado de um processo alargado de rescisões acordadas com trabalhadores. Porque significaria um boost quase automático, para muitos desnecessário ou incoerente com a ideia de manutenção de um serviço público de televisão com qualidade e público, aos canais privados concorrentes ou, pelo menos, coexistentes. Como se pode valorizar ou até manter um serviço público de televisão reduzindo as suas fontes de financiamento e reduzindo em teoria a sua capacidade de trabalho?

Não tendo ideias completamente assentes sobre o assunto, há uma que tenho: o acesso e a pluralidade de meios de informação, entretenimento e debate público é absolutamente fundamental. E é ainda mais fundamental quando falamos de meios editados, feitos por profissionais com contratos e salários. E não de clips de 20 segundos de vendedoras de champôs que, entre o arregaço do decote e o betume do sorriso, destilam no Instagram a sua visão estratégica sobre os requisitos da mais perfeita massa de pizza sem glúten ou a insatisfação permanente da natureza humana, quando não amansada, aqui e ali, por um gin tónico num rooftop no Dubai. Ou, o que é pior, de estruturas profissionais de desinformação e de mentira, ao serviço de interesses diversos.

Como sabemos, não é sempre o que é bom que vende e tem público nem é o que tem público e vende que é necessariamente bom.

Poder-se-á perguntar, sim, mas porque é tão necessária essa preocupação com o “bom”, num espaço público concorrencial, em que há liberdade de escolha, em que cada qual escolhe o que prefere ver, ouvir ou simplesmente recusar? Bem, desde logo, porque não há uma oferta ilimitada nesse bem público que é a possibilidade de transmitir, para casa de cada um, visões do mundo e convencer pessoas. É desnecessário sublinhar o que isto significa e tem significado no último século. É certo que a Internet e as suas possibilidades mudaram e estão a mudar o poder da televisão, mas ainda não a substituiu. Seguramente vai fazê-lo progressivamente, como tem sucedido com os jornais em papel e com toda a tecnologia que, a cada dia, é posta ao serviço da mensagem. Mas estar ao serviço da mensagem não é a mensagem. E a existência de um serviço público de televisão só se justifica pela mensagem.

Um serviço público de televisão, já financiado através, na prática, de um imposto específico e praticamente universal (a Contribuição Audiovisual), deve ter publicidade? A Antena 1, nesse outro mundo que é a rádio, não tem publicidade e esse facto até provavelmente lhe atribui mais ouvintes, cansados também da festa comercial em permanência de outras estações. A ausência de publicidade na RTP1 potencia o rendimento de empresas privadas de comunicação?

Naturalmente. Os 6,6 milhões de euros de perda de receita anual poderão vir a ser compensados ou a sua ausência de algum modo neutralizada a favor até da programação e da informação? Esse é o ponto. Porque, idealmente, um serviço público de televisão não deveria estar dependente dos seus anunciantes.

Em todo o caso, este é um excelente debate público, dos melhores dos últimos tempos entre nós, que não deve estar refém de visões estruturalmente corporativas, clientelares, mercantis ou contabilísticas. 

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