Prometeu estabilidade? Então não embarque numa revisão constitucional
O Parlamento que resulta das eleições de dia 18 de maio começa os seus trabalhos já para a semana, ainda envolto em incerteza de como irá funcionar com a nova relação de forças no hemiciclo. O discutível “não é não” de Luís Montenegro parece cada vez mais distante e não se vislumbra, da direita democrática, um sentido de responsabilidade na proteção daquele que é o nosso regime democrático.
A base do nosso regime é a nossa Constituição. Foi há 50 anos que foram eleitos os deputados e as deputadas constituintes que, durante um ano intenso, trabalharam no texto que é a mãe de todas as leis, que define as linhas mestras do nosso Estado Social e que nos garante os nossos direitos.
As revisões constitucionais que foram feitas nas últimas décadas tiveram sempre de ter um consenso entre forças dos dois lados do Parlamento – nomeadamente entre os dois maiores partidos, o que tem permitido uma estabilidade essencial para o país e para as suas pessoas. No novo Parlamento, pela primeira vez na história da nossa democracia, é possível, numericamente, as forças da direita parlamentar e da extrema-direita alterarem sozinhas a Constituição. A Iniciativa Liberal, aliás, já anunciou que apresentará uma proposta de revisão constitucional – apesar de nem ter falado disso na sua campanha eleitoral – e André Ventura propõe uma “plataforma de entendimento” ao PSD, CDS e IL para uma revisão constitucional. De Luís Montenegro e do PSD não conhecemos posição. Mas devíamos conhecer, porque esta é uma questão de regime.
Em 2022, estes dois partidos que agora querem iniciar uma nova revisão constitucional apresentaram propostas que iam desde alterar o que é o direito à habitação, converter o Serviço Nacional de Saúde num sistema abarcando o setor privado, desproteger os consumidores, alterar o objetivo do IRS para que deixe de ser a diminuição das desigualdades, o Estado deixar de ter o dever de assegurar um serviço público de rádio e televisão, ou passar a ser possível a violação de correspondência ou a obtenção abusiva de informação sobre qualquer pessoa ou a sua família, só para dar alguns exemplos. Estas não são simples alterações e ajustes num documento, são, sim, mudanças que configuram um novo regime.
A única posição responsável de Luís Montenegro e do PSD no Parlamento é a de recusar uma revisão constitucional que não inclua uma maioria alargada com direita e esquerda parlamentares, a bem da democracia e da estabilidade. Qualquer revisão constitucional fraturante é, por si só, um fator enorme de instabilidade e de cisão agora e nos próximos muitos anos. Afinal, estabilidade foi o que Luís Montenegro prometeu nesta campanha eleitoral. Esperemos que cumpra a sua promessa.
Deputada eleita do Livre