Portugal deve ter portas abertas com fechaduras seguras

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Portugal enfrenta hoje um teste à maturidade da sua democracia. Como acolher com dignidade, integrar com justiça e regular com inteligência, sem ceder ao medo e ao populismo, nem permitir que o caos alimente a extrema-direita? A imigração, questão estrutural e inevitável no século XXI, não pode continuar a ser tratada entre o desleixo administrativo e a exploração política.

Ser rigoroso no controlo migratório não é ser intolerante, é ser justo. Saber quem entra, e em que condições, é essencial para garantir um espaço de confiança mútua entre nacionais e imigrantes. O descontrolo e a opacidade alimentam o crime organizado e o populismo, os quais exploram o medo para ganhar votos.

O problema agrava-se quando o Estado abdica de funções soberanas. Em nome da eficiência, Portugal entregou a gestão de vistos consulares à empresa VFS Global, integrada na multinacional BlackStone. Esta entidade recolhe dados pessoais de requerentes fora da jurisdição europeia, sem controlo público efetivo. A entrega do controlo dos dados da imigração a uma multinacional de gestão de ativos levanta sérias dúvidas sobre segurança, transparência e soberania digital.

A justiça migratória começa na identificação célere por parte do Estado e exige uma política pública capaz de combinar firmeza com inclusão. O controlo biométrico dos imigrantes não deve ser visto como uma medida excecional, sobretudo quando a maioria dos cidadãos portugueses já transporta consigo, no Cartão de Cidadão, um chip que armazena fotografias, impressões digitais e assinaturas. Se todos nós estamos devidamente identificados, por que razão seria incoerente aplicar os mesmos critérios a quem chega ao país? Não se trata de dar nacionalidade, mas reconhecer a cidadania a que todos têm direito.

A minimização do papel do Estado tem implicações profundas na imigração. Quando a entrada e a permanência de imigrantes são reguladas apenas pela disponibilidade de trabalho e pelo medo, sem mecanismos adequados de controlo universal, ignora-se a dimensão humanitária e lavam-se as mãos em relação aos problemas reais.

Os imigrantes tornam-se apenas peças da lógica de mercado e da ordem pública. São bem-vindos porque há empregos precários por preencher; mas acabam por enfrentar restrições, cortes de direitos e crescente hostilidade. Quando se ignora a realidade informal da imigração e se vê apenas a formalidade dos controversos controlos consulares, a situação só tende a agravar-se.

O medo da deportação, da pobreza e da discriminação, transforma-se em instrumento de controlo pouco digno de um Estado de Direito. Imigrantes em situação irregular vivem em constante insegurança. A ameaça de expulsão facilita abusos laborais e marginalidade. Políticas que criminalizam a imigração irregular e endurecem fronteiras criam ambientes hostis que não resolvem o problema, apenas o empurram para a clandestinidade.

Regulada apenas pelo mercado e pelo medo, a imigração torna-se desumana. Ignoram-se os contributos sociais, culturais e económicos dos imigrantes. Esta lógica agrava desigualdades e alimenta a xenofobia, muitas vezes fomentada por extremistas que preferem criar inimigos a propor soluções.

A maioria dos imigrantes só procura uma oportunidade para trabalhar, viver com dignidade e contribuir para a sociedade. Ignorar as suas necessidades ou deixá-los nas mãos de redes obscuras é tão grave quanto persegui-los por preconceito.

Portugal deve continuar a ser um país de portas abertas, mas com fechaduras seguras, regras claras e iguais para todos. Não é o controlo que destrói a solidariedade, é a sua ausência que a põe em risco. Não devemos ter medo da imigração. Devemos ter medo do medo, pois esse é o verdadeiro inimigo da democracia.

Especialista em governação eletrónica

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