Por uma farmácia mais verde

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O progresso na investigação e no desenvolvimento de novos medicamentos tem sido fundamental para a melhoria da saúde nas populações. No entanto, é cada vez mais necessária a identificação e gestão adequada daquelas atividades que possam constituir riscos ambientais, diretos ou indiretos.

Os medicamentos constituem, reconhecidamente, um risco ambiental ao longo de todo o seu ciclo de vida - produção, utilização e eliminação. O uso de medicamentos em seres humanos condiciona a passagem ao meio ambiente de resíduos decorrentes da sua utilização, nomeadamente da sua excreção, da eliminação de medicamentos tópicos através da higiene diária e do seu descarte inadequado no lixo doméstico ou nos esgotos. As contribuições de cada pessoa são, por si só, insignificantes; contudo, resultado da utilização alargada dos medicamentos, a contribuição coletiva pode originar níveis mensuráveis de fármacos na água e nos solos.

Acresce a esta situação a utilização de medicamentos em medicina veterinária, particularmente de antibióticos na produção de animais destinados ao consumo, que está também associada à passagem de resíduos destes medicamentos para o meio ambiente. Foram já identificados diversos efeitos nocivos da presença de fármacos a nível ambiental, nomeadamente em aves, peixes, insetos, entre outras espécies. Contudo, os seus efeitos nos ecossistemas permanecem relativamente pouco estudados.

Apesar da informação acerca de impactos diretos na saúde humana associados à presença de produtos farmacêuticos no ambiente ser limitada, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta para a possibilidade de efeitos decorrentes da exposição continuada a vestígios de fármacos presentes na água e/ou em alimentos nas populações vulneráveis. Causa de especial preocupação é a presença, na água e no solo, de agentes antimicrobianos, como antibióticos e antifúngicos, provenientes do tratamento de seres humanos e do uso em animais, que poderão contribuir para acelerar o desenvolvimento, manutenção e dispersão de bactérias e fungos resistentes, bem como de desreguladores endócrinos, resíduos com a capacidade de interferir com o sistema hormonal e afetar negativamente a saúde humana.

Desde 2006, ano em que foi publicada a norma para a avaliação ambiental de medicamentos para uso humano, que a avaliação dos riscos ambientais é necessária para que o medicamento possa ver concedida uma autorização de introdução no mercado. Contudo, passadas quase duas décadas, podemos assumir que o seu impacto tem sido bastante limitado.

Em 2019 foi publicada uma comunicação da Comissão Europeia denominada Abordagem Estratégica da União Europeia relativa aos Produtos Farmacêuticos no Ambiente. Esta comunicação propõe algumas ações estratégicas que incluem sensibilizar e promover um uso mais prudente dos produtos farmacêuticos e apoiar o desenvolvimento de produtos farmacêuticos intrinsecamente menos nocivos para o ambiente e com processos de produção mais ecológicos. Por outro lado, propõe melhorar a avaliação do risco ambiental dos medicamentos, reduzir o seu desperdício, melhorar a gestão dos resíduos e alargar a monitorização ambiental.

A proposta de revisão da legislação farmacêutica europeia, que se encontra agora em avaliação pretende, através de uma abordagem Uma Só Saúde (One Health), tornar os medicamentos mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, em consonância com os compromissos formalizados na abordagem estratégica relativa aos produtos farmacêuticos no ambiente. A proposta determina, entre outros aspetos, a obrigatoriedade da avaliação do risco ambiental para todas as empresas farmacêuticas que coloquem os seus medicamentos no mercado da União Europeia e ainda que a autorização de introdução no mercado possa ser recusada caso o titular não apresente provas adequadas de que os riscos ambientais foram avaliados e de que foram tomadas medidas de mitigação dos riscos. Por outro lado, determina a necessidade de maior vigilância pós-autorização, nomeadamente a submissão de avaliação do risco ambiental no caso de medicamentos aprovados antes de 2006 que tenham sido identificados como potencialmente prejudiciais para o ambiente, ou atualização da avaliação do risco ambiental de medicamentos recentemente aprovados caso surjam novos dados que possam alterar as suas conclusões.

Neste contexto, são várias as intervenções dos profissionais de saúde, e em particular dos farmacêuticos, que podem ser relevantes para a minimização do impacto ambiental da utilização dos medicamentos e da resistência antimicrobiana.

Uma das ações mais relevantes é o contribuir para o uso racional dos medicamentos, nomeadamente através do apoio à seleção da terapêutica e o incentivo ao uso da dose e da quantidade de medicamento estritamente necessárias, de modo a minimizar o desperdício e o risco de eliminação inadequada. Esta intervenção é igualmente relevante para medicamentos sujeitos ou não sujeitos a receita médica.

Deverão ser criadas condições que permitam promover, nas instituições de saúde, a seleção e aquisição de medicamentos produzidos com menor impacto ambiental e que gerem menos resíduos (requeiram menor número de tomas, administrados por via oral, p. ex.) bem como a sua correta eliminação.

De modo a identificar usos inapropriados, é necessário rever periodicamente a medicação dos utentes e informá-los acerca do modo correto de descartar medicação não-utilizada ou expirada.

Mas é também muito importante promover a adequada adesão aos tratamentos, com consequente diminuição dos medicamentos não-utilizados e que podem vir a ser incorretamente eliminados. Nos casos de não adesão, é fundamental identificar os eventuais motivos e atuar de acordo com a causa identificada.

E, claro, sempre que apropriado, aconselhar a adoção de medidas não-farmacológicas.

A minimização do impacto da prestação de cuidados de saúde no ambiente deverá ser uma prioridade das autoridades e uma preocupação integrada no dia a dia dos farmacêuticos, dada a natureza das suas intervenções e proximidade aos cidadãos, mas também de todos os outros profissionais de saúde.

Todos deveremos estar informados e contribuir para uma farmacoterapia mais racional e ecologicamente sustentável.


 Bastonário dos farmacêuticos
============2021 - OPINIÃO - Nome Cronista - 3 Col ++ (13904179)============
Opinião
Helder Mota Filipe
============2021 - OPINIÃO - Tit 3 Col ++ (13904180)============

============2021 - OPINIÃO - Destaque (13904178)============
As crianças e adolescentes maltratados e cujos direitos não são respeitados pensam, regra geral, que a culpa é sua.”

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