Tornei-me uma crente nas assembleias de cidadãos. Primeiro a partir da obra Reinventar a Democracia - 5 ideias para um futuro diferente, de Manuel Arriaga. Depois ao serviço da sua implementação, através do Fórum dos Cidadãos, que, desde 2006, busca a “melhoria do sistema político em Portugal”, promovendo, facilitando, e co-construindo “processos que dêem a ouvir as vozes, informadas e reflectidas, dos cidadãos sobre grandes temas políticos”..Mas antes da acção, vamos à motivação..“O leitor pode designar-se a si próprio como sendo de esquerda, de centro ou de direita; como anarquista, libertário ou ambientalista; ou, simplesmente, como sendo alguém que já não acredita em política. Não interessa. Nem interessa o que é que o irrita mais: se são os políticos corruptos e que servem os seus próprios interesses; se é a inacção sobre o aquecimento global; se é a acumulação constante de dívida por parte dos nossos países; se é a erosão das nossas liberdades civis; ou se são as guerras injustas travadas em nosso nome. O que importa - independentemente da nossa nacionalidade, orientação política e principais reivindicações - é apercebermo-nos de que aqueles que nos governam não nos representam. Esta consciência partilhada une-nos e mostra-nos que podemos fazer alguma coisa em relação a isso.”.O quê, em concreto?.Partindo da premissa de que “as nossas democracias não estão a funcionar, e precisamos de recuperar o controlo sobre o nosso futuro” - Manuel Arriaga, o autor das palavras aqui e atrás citadas, apresenta “cinco medidas concretas que poderiam contribuir para que isso acontecesse”..As propostas, longe de nos aborrecerem com exercícios académicos sem aplicação prática, trazem-nos exemplos reais de implementação, numa viagem global por diferentes e inovadoras formas de fazer política..Passemos, então, à acção: de que forma nós, cidadãos sem ligação às elites partidárias e económicas, podemos intervir nas decisões políticas?.Vejo nas assembleias de cidadãos uma inspiradora e transformadora resposta. Por um motivo fundamental: a participação é decidida por sorteio, com amostragem estratificada, o que permite não só mobilizar quem habitualmente fica de fora, como também reunir o grupo de pessoas mais representativo possível da nossa pluralidade demográfica..Com o trabalho do Fórum dos Cidadãos (FdC) tive a oportunidade de observar, na prática, como é que esta metodologia pode favorecer a participação e promover uma maior diversidade..Dou como exemplo, o Conselho de Cidadãos da Câmara Municipal de Lisboa, que caminha para a sua 3.ª edição..Parceiro da iniciativa nas duas primeiras edições, o FdC apoiou o município na realização do sorteio e, desde o primeiro momento assinalou a importância de se alargar as categorias definidas para a estratificação da amostra de 50 participantes e 50 suplentes..Foi assim que, além da ponderação de dados como freguesia, género, idade, situação profissional e habilitações, se juntaram as nacionalidades - alternativa possível à resistência nacional de recolha de dados étnico-nacionais..Também a pensar em mais diversidade, recomendámos expandir o universo de mobilização, através do envio de cartas-convite aos munícipes, para moradas escolhidas aleatoriamente..Dessa forma, aumenta-se a probabilidade de a informação romper as habituais “bolhas” de participação, fechadas naqueles que estão sempre na linha da frente para inscrever projectos nos orçamentos participativos, lançar petições ou mobilizar vizinhos..Escrito de outro modo: quando usamos os canais habituais de mobilização, atraímos os “fiéis do costume”, cujo perfil, tal como na classe política, não é representativo da nossa pluralidade..Importa ir além da bolha, e as assembleias de cidadãos são, comprovadamente, uma forma de o fazer. Mas não resolvem, por si só, o divórcio com a classe política..Da mesma forma que não faltam exemplos no mundo sobre a validade da deliberação cívica como mecanismo promotor e facilitador de decisões políticas, também sobram alertas sobre a pouca ou nenhuma abertura dos responsáveis políticos para adoptar medidas que não encaixem nos seus programas de governação..Ou seja, mais do que envolver os cidadãos, e pedir que elaborem propostas políticas, é fundamental criar condições para que as mesmas sejam adoptadas, tornando as suas decisões vinculativas..Uma das ideias apresentadas em Reinventar a Democracia é a da constituição, no Parlamento, de uma “Câmara de Cidadãos”, composta por pessoas escolhidas aleatoriamente, para espelhar a diversidade da população. .Sei que soa pouco recomendável depois de conhecidos os votos de quase 1,2 milhões de portugueses nas últimas legislativas. Mas, descontados os múltiplos e abjectos ódios, quantas dessas cruzes não significam “apenas” uma desesperada e desesperançada vontade de mudança?.Se o protesto contra o actual funcionamento da democracia nos pode trazer mais democracia, por que é que nos resignamos com o abismo da anti-democracia? Talvez nos faltem ideias para um futuro diferente. O livro que hoje vos proponho lança cinco. Agarremo-las. Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.