Por trás do aliciante negócio que dispara a 360km/h

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“There are only three sports:
bullfighting, motor racing and mountaineering;
all the rest are merely games.”
Ernest Hemingway

Lewis Hamilton foi apresentado na Ferrari recentemente. É um marco muito mais especial do que parece, porque reflete o colosso económico em que se tornou a Fórmula 1. E merecedor de ser visto... Mais de Perto.

No meio de uma chuva de aplausos do público que encheu a gigantesca O2 Arena em Londres e ao lado de Charles Leclerc, Hamilton confessou à audiência “Sinto-me revigorado, tão cheio de vida e de tanta energia porque tudo é novo. Estou muito orgulhoso e emocionado por fazer parte da Ferrari. E temos tudo para sermos Campeões do Mundo este ano.”

Hamilton é o estereótipo do piloto das últimas décadas. Começa em karting aos 6 anos em 1991, entra na F1 pela McLaren onde fica seis anos e segue para a Mercedes onde fica 11.

Depois de tanto tempo na Mercedes, a mudança para a Ferrari demonstra que não há barreiras em F1. A aura da dupla piloto/marca e as possibilidades de vitória são o cerne da criação de riqueza e um piloto que passa anos numa equipa pode mudar de um dia para o outro, como aconteceu com Senna, Alonso ou até Vettel.

Se até aos anos 70 os protótipos de Le Mans dominavam o desporto, a Fórmula 1 passou hoje a exercer um fascínio acima de qualquer desporto automóvel, sobretudo quando há uma verdadeira batalha pela vitória e um resultado incerto até ao fim.

Os ingredientes amontoam-se : pela velocidade, pelo desfecho imprevisível, pelas táticas e claro pelo frisson do acidente... que continua a poder ser fatal.

De facto, desde 1955, a F1 levou a vida a 52 pilotos... às vezes quatro por ano nos anos 50 ou 60. E cinco deles já depois de Senna, que faleceu em Imola, em 1994. Os pilotos mais competitivos da história comungam uma excitação incomum pelo desafio e sem medo do acidente que lhes pode trazer a morte.

“Vou dar tudo. Vou morrer no carro.” (Kevin Magnussen).

“Eu sei que um dia vou ter um acidente muito grande, não penso em morrer, mas aceito que faz parte do trabalho.” (Gilles Villeneuve)

Ou “Quando tiver um acidente quero morrer logo.” (Ayrton Senna).

E como nasce a brutal economia deste desporto? Vimos que até meados dos anos 70 a F1 era um desporto de gentlemen que corriam por prazer e pouco dinheiro, nas mais precárias condições de segurança. Até que surge o pai da F1 moderna, uma personagem única que em 1978 lança um esquema engenhoso para controlo total da F1: Bernie Ecclestone. Um excêntrico famoso pela sua obra ... e pelas citações : “Quem não fala inglês não vale a pena falar”; “Os garçons são como prostitutas, nunca estão por perto quando você quer”; ou “As mulheres devem estar sempre vestidas de branco, como todos os outros eletrodomésticos”.

Foi Ecclestone que criou o modelo económico moderno que fez da F1 um sucesso. Hoje o Formula One Group (FOG) pertence à Liberty Media, que a adquiriu em 2017 à CVC Capital Partners por oito mil milhões de US dólares (mM$). E o negócio está florescente: durante os três primeiros trimestres de 2024, o FOG declara receitas de 2,486mM$, um aumento de 25% sobre 2023, e atinge um lucro de 574mM$, 29,6% acima de 2023.

Ecclestone montou o modelo baseado em três grandes fontes de receita, por ordem - direitos de transmissão televisiva, taxas recebidas de países ou entidades para hospedar um Grande Prémio e uma combinação de vendas de bilhetes e outras parcerias pagas com empresas ou produtos.

Este modelo está hoje mais sofisticado do que nunca. A F1 ainda está atrás dos maiores geradores de receitas desportivas (futebol, basquetebol e baseball nos EUA, todos na casa dos 20mM$), mas já vai em 6.º lugar e continua a crescer por via dos três vetores.

E quanto às equipas de F1, é um bom negócio? Depende, nem todas as equipas são rentáveis, mas Toto Wolff dizia que se esperava que todas passassem a sê-lo, em 2025, graças a melhor gestão de patrocínios e de custos no seio das equipas.

Quanto aos pilotos, os top-5 ganham entre 20 e 65M$... mas os bottom-5 estão na casa de 0,5 a 2M$.

Hoje, a Fórmula 1 é um desporto de âmbito mundial, apreciado na televisão em qualquer país do mundo, com equipas na vanguarda da tecnologia a todos os níveis, alimentadas por patrocinadores ansiosos por financiarem a sua exposição, e com um nível de supremacia de equipas que se altera ano após ano de uma forma imprevisível.

E é o único desporto que leva a Netflix a fazer seis séries, uma por temporada, desvendando os bastidores e oferecendo a possibilidade de conhecer o que se passa à volta da pista e atrás das boxes, aumentando a exposição de marcas, pilotos e patrocinadores.

A Netflix não fez uma série de basquetebol nem de baseball, nem sequer de futebol - está a fazer séries de F1. Não é um dos cinco desportos com mais receita, mas é o único que merece esta atenção duma plataforma como a Netflix. Porquê ? Porque continua a ser o que sempre foi: um circo de emoção, velocidade e glamour - só que agora com mais tecnologia, transmissões mais sofisticadas e com mais dinheiro, cada vez mais dinheiro.

Empresário, gestor e consultor

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