Por que é que agora estou profundamente preocupado com a América
Até há poucos dias, sentia-me bastante otimista em relação às previsões para a América. Economicamente, tivemos um ano de forte crescimento e de queda da inflação. Para além dos republicanos convictos, que não veem nada de bom, não ouvem nada de bom e não falam nada de bom quando um democrata é presidente, os norte-americanos parecem estar a reconhecer este progresso. Parecia cada vez mais provável que o bom senso da nação prevaleceria e que a democracia sobreviveria.
No entanto, ao ver o nervosismo em torno da idade do presidente Joe Biden, sinto-me, pela primeira vez, profundamente preocupado com o futuro da nação. Agora parece perfeitamente possível que, no próximo ano, a democracia americana possa ser irremediavelmente alterada.
O golpe final não será a ascensão do extremismo político; essa ascensão criou certamente as condições prévias para a catástrofe, mas já faz parte da realidade há algum tempo. Não, o que pode transformar esta ameaça numa catástrofe é a forma como a preocupação com a idade de Biden eclipsou os verdadeiros desafios das eleições de 2024. Faz-me lembrar, como faz lembrar a toda a gente que conheço, o furor de 2016 sobre o servidor de correio eletrónico de Hillary Clinton, que foi uma questão menor que pode muito bem ter acabado por fazer balançar a eleição para Donald Trump.
Como a maioria já sabe, Robert Hur, um procurador especial nomeado para investigar as alegações de irregularidades por parte de Biden, concluiu que o presidente não devia ser processado. Porém, o seu relatório incluía um ataque desnecessário e nada profissional à aptidão mental de Biden, aparentemente baseado na dificuldade do presidente em lembrar-se de datas específicas, dificuldade que, como escrevi na sexta-feira, toda a gente enfrenta, seja qual for a idade. O tratamento sem fundamento de Hur em relação a Biden fez lembrar o tratamento de James Comey em relação a Clinton: Hur e Comey pareciam querer tomar posições políticas quando não era esse o seu dever.
Trata-se de um caso em que os burocratas ultrapassam os seus limites de uma forma que é, na melhor das hipóteses, negligente e, na pior, maliciosa.
Sim, é um facto que Biden é velho, e será ainda mais velho se ganhar a reeleição e cumprir um segundo mandato. Gostaria que os democratas tivessem escolhido por consenso um sucessor há um ou dois anos e que Biden tivesse podido afastar-se em favor desse sucessor sem desencadear uma batalha campal dentro do partido. Porém, especular sobre se isso poderia ter acontecido não é o mais importante agora. Tal não aconteceu e Biden vai ser o candidato democrata.
Também é certo que muitos eleitores pensam que a idade do presidente é um problema. No entanto, existe a perceção e a realidade: como qualquer pessoa que tenha convivido recentemente com Biden (e eu convivi) lhe pode dizer, ele está em plena posse das suas faculdades, completamente lúcido e com uma excelente compreensão dos pormenores. É claro que a maioria dos eleitores não o vê de perto, e cabe à equipa de Biden resolver esse problema. E sim, fala baixo e um pouco devagar, embora isso se deva em parte à sua luta ao longo da vida contra a gaguez. A propósito, tem também sentido de humor, o que me parece importante.
O mais importante é o facto de Biden ter sido um presidente extraordinariamente eficaz. Trump passou quatro anos a afirmar que uma grande iniciativa em matéria de infraestruturas estava mesmo ao virar da esquina, ao ponto de “É a semana das infraestruturas!” se ter tornado uma piada corrente; Biden conseguiu realmente aprovar legislação. Mais, Trump prometeu reavivar a indústria transformadora americana, mas não o fez. As políticas tecnológicas e climáticas de Biden (a última aprovada contra todas as expectativas) produziram um aumento do investimento na indústria transformadora. A sua melhoria do Obamacare estendeu a cobertura de seguro de Saúde a milhões de pessoas.
Na minha opinião, estes feitos dizem muito mais sobre a capacidade de Biden do que os seus ocasionais deslizes verbais.
Além disso, o que dizer do seu adversário, que é apenas quatro anos mais novo? Talvez algumas pessoas fiquem impressionadas com o facto de Trump falar alto e com maldade. Além disso, o que se passa com o que está realmente a dizer nos seus discursos? Com frequência, são saladas de palavras que divagam, cheias de afirmações bizarras, como a sua afirmação de sexta-feira de que, se perder em novembro, “vão mudar o nome da Pensilvânia.”
Já para não falar de misturar Nikki Haley com Nancy Pelosi e de confundir E. Jean Carroll com uma das suas ex-mulheres.
Como também escrevi na semana passada, os discursos de Trump fazem-me lembrar o terrível último ano de vida do meu pai, quando ele sofria de ataques de incoerência e beligerância depois de anoitecer. Então, é suposto estarmos preocupados com o estado mental de Biden?
Durante os últimos dias, enquanto a discussão nacional foi dominada por conversas sobre a idade de Biden, Trump declarou que não interviria para ajudar os membros “delinquentes” da NATO se a Rússia os atacasse, sugerindo mesmo que poderia “encorajar” esse ataque. Parece que considera a NATO apenas como um esquema de proteção e, após todo este tempo, ainda não faz ideia de como funciona a aliança. A propósito, a Lituânia, o membro da NATO que Trump destacou, gastou uma percentagem maior do seu PIB na ajuda à Ucrânia do que qualquer outra nação.
Mais uma vez, gostaria que estas eleições não fossem uma disputa entre dois homens idosos e preocupa-me, de uma forma geral, a gerontocracia dos Estados Unidos. Quer gostemos quer não, esta vai ser uma corrida entre Biden e Trump e, de alguma forma, o candidato lúcido e bem informado está a ser mais criticado pela sua idade do que o seu oponente que se exalta e questiona os factos.
Como disse, até há pouco tempo, sentia-me um pouco otimista. Porém, agora estou profundamente preocupado com o futuro da nossa nação.
Este artigo foi publicado originalmente em The New York Times
c.2024 The New York Times Company