Políticas ao centro para quem delas mais precisa

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Durante a última semana recebi várias perguntas e comentários a propósito do texto que publiquei aqui no DN sobre “Reconstruir o centro para salvar a Europa”. Regresso, por isso, ao debate sobre o papel do centro político na defesa e promoção da democracia. A globalização transformou profundamente o mundo. Promoveu o crescimento económico, expandiu os mercados, impulsionou a inovação tecnológica e tirou milhões de pessoas da pobreza. Mas também teve custos sociais significativos, sobretudo nas democracias mais desenvolvidas em todo o mundo, onde a deslocalização industrial, a precarização laboral e o enfraquecimento dos serviços públicos deixaram para trás comunidades inteiras. Essas pessoas, esses “derrotados da globalização”, perderam empregos, estabilidade e esperança e sentem-se esquecidos por sistemas políticos que não conseguiram responder às suas aflições.

Este sentimento de abandono tem alimentado a ascensão de populismos, extremismos e discursos antissistema. Mas a resposta não está nos extremos e sim na reconstrução de um centro político forte, credível e orientado para soluções. Um centro capaz de propor políticas públicas ancoradas no equilíbrio, na responsabilidade e na justiça social. Uma agenda centrista para apoiar os “derrotados da globalização” começa por reconhecer os impactos assimétricos das transformações económica que são inevitáveis e têm consequências sociais concretas que não podem ser ignoradas, como as transições digital e ambiental. É fundamental investir em programas de requalificação profissional eficazes, acessíveis e permanentes; em educação contínua adaptada às novas realidades do trabalho; e em estratégias de desenvolvimento regional que levem emprego e inovação a territórios que perderam relevância económica.

Em paralelo, o centro deve reforçar o Estado Social como pilar de coesão e mobilidade social que asseguram dignidade e igualdade de oportunidades. Estas tarefas imensas não devem ser deixadas somente ao Estado. Exigem uma colaboração estratégica com o mercado, baseada na confiança mútua, na transparência e numa regulação inteligente que tornam essa relação mais eficaz e legítima e que permita alavancar investimentos, promover inovação e melhorar a eficiência das respostas às necessidades coletivas. Importa assegurar que esta parceria não substitui as responsabilidades centrais do Estado, mas antes reforça-as, com base em critérios exigentes de impacto social, sustentabilidade e criação de valor público. Modelos como o da “flexigurança” nórdica, que combinam competitividade com proteção social, mostram que é possível fazer melhor. Por fim, é indispensável que as políticas públicas centristas tenham por base factos, ciência e avaliação rigorosa.

O debate público deve assentar em dados concretos e impactos reais, e não em slogans ideológicos ou narrativas polarizadoras. O centro político é, por natureza, um espaço de ponderação e racionalidade, valores essenciais num tempo de sobrecarga emocional e desinformação. Deixo para o fim a crítica mais recorrente a esta proposta: a ideia de que, se os partidos do centro colaborarem entre si, abdicarão da sua função crítica e deixarão o espaço da oposição aos partidos dos extremos. Mas isso não tem de acontecer. A colaboração entre os partidos do centro político pode e deve coexistir com uma saudável competição democrática. É essencial que a pluralidade de propostas continue a alimentar o debate público e a liberdade de escolha dos cidadãos. Assim, essa colaboração deve focar-se nos desafios estruturais que exigem consensos duradouros e que ultrapassam os ciclos eleitorais: a sustentabilidade ambiental, a transformação digital ou a coesão territorial. E deve também abranger as políticas que garantem a dignidade e a igualdade das pessoas, como a saúde pública, a educação de qualidade, a proteção social e o acesso a uma habitação digna. No caso português, impõe-se ainda uma revisão sensata e serena dos mecanismos de funcionamento da justiça, em linha com as exigências e tradições constitucionais das democracias centristas e moderadas. É neste centro renovado, que privilegia a cooperação nos grandes desafios e a competição construtiva nas demais áreas, que reside a chave para uma resposta eficaz para os problemas dos derrotados da globalização. Estas pessoas não precisam de bodes expiatórios nem de falsas promessas. Precisam de políticas públicas que funcionem, que respeitem a sua dignidade e que lhes devolvam o lugar na construção do futuro.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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