Políticos com medo da própria sombra

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A notícia de que o antigo ministro das Finanças, Fernando Medina, foi constituído arguido por suspeita de prevaricação, no âmbito do  processo Tutti Frutti, já era esperada. Medina é suspeito de, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, em 2017, ter atribuído ilegalmente um apoio de 200 mil euros a uma associação desportiva para que esta pudesse construir um campo de râguebi, a pedido de outro arguido do caso.

A decisão sobre este assunto cabe aos tribunais e Fernando Medina tem direito à presunção de inocência. Porém, tal como o chamado processo Influencer, este caso que envolve Medina demonstra como é ténue a diferença entre a legalidade e a ilicitude, quando estão em causa decisões políticas.

Todos sabemos que os titulares de cargos públicos têm de fazer determinadas cedências ou de conceder benesses, para sobreviver politicamente. Em democracia, qualquer governante toma medidas que lhe permitam conquistar votos, mesmo que, por vezes, isso seja negativo no longo prazo. E, obviamente, todos os políticos têm necessidade de chegar a consensos e entendimentos com os seus pares, o que pressupõe conceder algo para, em troca, poder receber aquilo que se pretende. Faz parte das regras do jogo. Um autarca convencer o executivo municipal a aprovar um subsídio a um clube desportivo, ignorando um acordo anterior que estabelecia que a construção seria suportada por este último, pode de facto pertencer ao foro judicial, se houver provas de que se tratou de prevaricação. Mas também pode tratar-se de uma decisão política legítima, semelhante a outras que foram tomadas em prol de inúmeras entidades desportivas e culturais. E pela qual, para o bem e para o mal, Medina e a sua equipa se sujeitaram mais tarde a um julgamento político feito pelo eleitorado. 

O que estabelece a fronteira entre o lícito e o ilícito é a lei. E a literalidade desta última é transcendida por princípios gerais do Direito como o da razoabilidade aos olhos do “cidadão médio”. Por exemplo, qualquer pessoa com alguma experiência de vida sabe que um político de topo não se vende em troca de jantares, apesar de, aparentemente, os procuradores do Influencer acreditarem que isso é possível. Quando muito, este tipo de coisas servem para abrir a porta a uma relação de proximidade com os decisores políticos que, se as pessoas não forem honestas, pode facilitar a corrupção.

Por tudo isto, cabe ao Ministério Público e aos tribunais olhar para estas questões com muito bom senso. Há atos que pertencem ao foro criminal e outros que, por muito errados e desastrosos que sejam, são do domínio da política. Nem sempre é fácil traçar essa diferença, mas a judicialização da política não contribui para a boa qualidade da democracia. Se processos como o Influencer e esta acusação a Medina não forem devidamente clarificados, no futuro teremos uma classe política com cada vez  mais  medo da própria sombra. E, nos tempos desafiantes em que vivemos, não precisamos de políticos que se furtem à tomada de decisões por terem medo de ir para a prisão.

Diretor do Diário de Notícias

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