Polícias e militares. Igualdade, justiça relativa e incapacidade absoluta

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Comecemos a história pelo fim. Nos últimos dias, os sindicalistas da PSP e os quase sindicalistas da GNR multiplicaram-se em declarações mediáticas ameaçadoras, tendo como alvo principal a decisão do Governo de proceder a aumentos salariais nas Forças Armadas, idênticos àqueles de que beneficiaram os agentes das forças de segurança.

Claro que os militares ficaram satisfeitos por receber o mesmo que os polícias. Mais do que estes, que, tendo-se batido pela igualdade de tratamento salarial com os agentes da Polícia Judiciária, se haviam conformado com uma melhoria salarial significativa, mas não idêntica à daqueles.

Durante a longa luta dos polícias, marcada por excessos chocantes para os cidadãos, sempre me intrigou por que razão nunca ninguém, que eu saiba, havia questionado o suposto direito ao tratamento igualitário dos agentes policiais relativamente aos da Polícia Judiciária. Aparentemente, todos aceitavam ser uma injustiça o tratamento desigual.

Mas seria injusto porquê? Por que se entendia existir tratamento desigual? Bem vistas as coisas, são mais as diferenças do que as semelhanças entre uns e outros: exigem-se-lhes qualificações distintas; as condições de trabalho, incluindo de tempo, são diversas; as tarefas que desempenham são substancialmente diferentes; os riscos que correm, uns e outros, também. A igualdade decorre automaticamente do uso da palavra “polícia”? Como nunca se discutiu a substância da suposta igualdade, atrás dos polícias vieram os guardas prisionais. E virão, provavelmente, os bombeiros. E, talvez, inspetores e fiscais variados.

A mesma igualdade que os agentes policiais reclamavam em nome da “justiça” é a que agora beneficia os militares, cuja atividade é ainda mais distinta da policial. Porquê o tratamento igualitário?

Mas a nova contestação dos agentes policiais dá um passo em frente na irracionalidade da “luta pela igualdade”: agora já não basta reclamar para si o mesmo que outros têm, exigindo-se que estes outros não recebam tratamento idêntico àquele que os polícias conseguiram.

O caos para que se caminha decorre da absoluta incapacidade do Estado em estabelecer uma malha de critérios de valorização salarial minimamente fundados em fatores objetivos: qualificações exigidas; organização e condições jurídicas do exercício profissional; tempos de trabalho; sujeição a fatores de penosidade significativos; riscos específicos do exercício profissional, etc. Sem tais critérios, as reivindicações vão sendo objeto de soluções pontuais erráticas, que resolvem, temporariamente, um problema e criam outros.

É a falta destes critérios que desenha a tempestade perfeita: uma teia incontrolável de reclamações cruzadas de igualdade, todas elas consideradas inevitavelmente justas, com um número crescente de grupos não só reclamando mais, como exigindo que os outros tenham menos.

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