Pela soberania digital da União Europeia
A iniciativa do presidente Macron de organizar uma grande cimeira internacional em Paris sobre Inteligência Artificial (IA) poderá não passar disso mesmo, ficando dela apenas uma declaração, sem consequências. Mas também pode ser, e oxalá venha a ser, um passo importante para a construção da soberania digital da UE, e o princípio do fim da sua excessiva dependência dos EUA e, em breve, também da China.
A soberania digital exige capacidade da União para controlar o seu espaço digital, incluindo os seus dados, as infraestruturas, as tecnologias e os serviços digitais. Com o desenvolvimento muito acelerado da IA, esse controlo é fundamental, de um ponto vista político, económico e social, e até em matéria de Defesa. É a sua soberania digital que lhe permite, além do mais, assegurar que os seus valores e princípios éticos, como as nossas liberdades fundamentais, são respeitados no desenvolvimento e na utilização da IA.
Até agora, a UE viveu confortável com a sua enorme dependência dos EUA. As interações havidas com grandes empresas digitais faziam crer na capacidade de a UE as fazer cumprir as suas normas no espaço europeu e, até, de influenciar alguma convergência internacional, incluindo com os EUA. Mas, com o presidente Trump, esse panorama mudou radicalmente.
Por isso mesmo, a presidente da Comissão Europeia anunciou na cimeira um investimento de 200 mil milhões de euros em várias dimensões de IA, que vão desde os centros de produção de chips e outras tecnologias essenciais, a investigação e a formação de profissionais muito qualificados, supercomputadores e centros de dados, o desenvolvimento de aplicações em setores estratégicos, como saúde, energia, indústria, agricultura e mobilidade, e o apoio a startups e empresas inovadoras.
É um objetivo muito ambicioso, que só será atingido se houver em Bruxelas uma forte liderança focada em metas concretas - o que, conhecendo a “casa”, não é seguro que possa acontecer - e uma capacidade de cooperação com outros países e organizações internacionais, igualmente preocupados com a sua dependência, e até empresas que respeitem as suas regras.
Não é o seu quadro regulatório, em especial o novo regulamento de IA, o grande obstáculo para que a UE vença esta batalha. Aliás, ainda recentemente ouvimos Bill Gates afirmar que é a favor da regulamentação, mesmo quando ela lhe é desfavorável. Mas esse quadro regulatório tem de ser rapidamente “traduzido em miúdos”, para que seja simples qualquer startup saber o que pode e o que não pode fazer.
Dedos cruzados, para que este impulso dado em Paris se torne um desígnio para as instituições e para as empresas tecnológicas europeias. Se assim não for, a capacidade de a UE se tornar um ator relevante na esfera internacional, no plano digital e em muitos outros com ele hoje intricados, será cada vez mais uma ficção, para mal de todos nós.
Eurodeputada