Pela reforma da Justiça
Há na sociedade portuguesa bloqueios em que as soluções políticas dificilmente se encontram na iniciativa dos partidos políticos - normalmente ocupados em objectivos de curto prazo e no jogo da confrontação governo-oposição - e que têm de ser procuradas pela mobilização da sociedade civil. A crise da Justiça, nos seus múltiplos aspectos, é claramente um desses bloqueios.
Também não será expectável que os diferentes corpos de actores judiciais - juízes, advogados, procuradores, oficiais de justiça, solicitadores e agentes de execução - sejam capazes de ultrapassar os seus próprios interesses e idiossincrasias para novos patamares de boas-práticas entre todos consensualizados.
Igualmente se afigura estarmos num domínio onde a translação do estudo e conhecimento disponíveis para os campos normativo e comportamental encontra os obstáculos da falta de pensamento operativo e da humildade na aceitação da mudança.
O Manifesto dos 50+ para a Reforma da Justiça, ao reunir um conjunto alargado de pessoas com posições ideológicas diversas e percursos políticos, profissionais e pessoais igualmente diversos, constituiu um verdadeiro sobressalto cívico com inegável repercussão e gerador de uma dinâmica que urge consolidar e prosseguir.
O aplauso e a adesão que recebeu, a contestação (nem sempre fair) que provocou e a controvérsia que desencadeou mostram que o gesto era fundamentado e oportuno, e que respondia a uma preocupação generalizada da opinião pública.
É verdade que o debate foi centrifugado pela questão do Ministério Público, onde é, porventura, mais flagrante o pôr em causa dos direitos e garantias dos cidadãos, mas não é o único problema, a que se juntam, entre muitos outros, a morosidade dos processos e a dificuldade de acesso à Justiça dos mais desfavorecidos.
A diversidade dos subscritores do Manifesto, que já referi, foi de inegável vantagem na dimensão transversal do movimento e assegurou a qualidade e o rigor das análises, a eficácia dos alertas e a independência nas denúncias. Mas pode constituir uma dificuldade quando se passar - porque importa avançar - para a fase propositiva, com a apresentação de uma carta de princípios, a definição de objectivos e medidas concretas, bem como o traçado do caminho crítico da operacionalização da arquitectura das reformas. Reformas complexas que irão do plano legislativo ao organizacional, da formação dos diversos actores à avaliação independente, de novas garantias de transparência à auto-regulação.
Será um caminho difícil, exigindo a obtenção de consensos ou maiorias sólidas e, porque as mudanças devem ser estruturais, implica uma perspectiva de longo prazo. Mas a inércia de movimento em boa hora foi lançada e contribuir para o aperfeiçoamento do Estado de Direito é afinal também um dever de cidadania.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico.