Para que servem os debates?
Dizem os institutos e empresas que estudam estas coisas, vá-se lá saber com que rigor, que os debates na televisão entre os líderes partidários estão a ser seguidos por milhões de espectadores. Os números agregados mais recentes disponíveis - pode ser que os haja mais actuais para a totalidade dos debates até agora, mas não encontrei - indicam que os primeiros 14 debates foram vistos por um total de 6 milhões e 850 mil espectadores. Por comparação, os debates para as eleições de 2022 tiveram uma audiência global de 20 milhões. Sendo este número o total dos 14 debates, daria quase meio milhão de pessoas interessadas em cada debate, mas a aritmética não é democrática, nem equitativa. Todos os debates são iguais, mas alguns são menos iguais que os outros. Dizem esses números que o debate mais visto até agora foi entre Pedro Nuno Santos e André Ventura, com quase um milhão e meio de espectadores, e o menos visto foi entre Inês Sousa Real e Paulo Raimundo, que despertou a curiosidade de 30 mil sonolentos espectadores.
Ainda por comparação, e sem que daí se possa tirar qualquer conclusão sobre o interesse dos portugueses por estas eleições, nenhum dos debates até agora atingiu os 3 milhões de espectadores registados no frente-a-frente de António Costa e Rui Rio para as eleições de há dois anos. Esse debate foi transmitido em simultâneo pelos três canais de sinal aberto e, a haver uma conclusão incontestável, é que os telespectadores não tinham alternativa a assistir àquilo, pelo menos os que não tinham TV cabo ou streaming.
Desde a invenção da televisão que os políticos a adoptaram como o instrumento de eleição não para a divulgação dos seus projectos, mas, sobretudo, para convencer os eleitores a votar em si e não em qualquer um dos seus adversários. Os debates televisivos não servem para esclarecer os eleitores sobre as políticas que cada um ou os partidos que representam defendem, mas para os convencer a votar na sua pessoa. Não servem para esclarecer sobre políticas, servem para vender políticos.
De todos os estudos académicos sobre que influência têm os debates televisivos na mudança de atitude e intenção de voto dos eleitores, talvez o mais arrasador para a prestação dos candidatos nos debates seja o feito pela Universidade de Berkeley, Califórnia, que conclui analisando 61 eleições em nove países, incluindo Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Suíça, Itália e Canadá, que o seu efeito na mudança de voto é mínimo. O estudo analisou as respostas de 170 000 eleitores que foram votar, 80% dos quais tinham assistido a debates pré-eleitorais, e conclui que “os debates na televisão não aumentam a fracção de votantes que decidem por um candidato, nem a sua percentagem de voto. Isto sugere que os eleitores que se mudam para outro candidato são influenciados por outro tipo de informação, tal como a cobertura noticiosa da campanha ou conversas pessoais”.
Os debates televisivos são mais “entretenimento” que substância. 15 por cento dos eleitores, diz o estudo, mudam a intenção de voto nos dois meses anteriores à eleição, indicando que a informação que recebem nesse período é crucial. E, mais crucial ainda, a influência dos debates sobre os jovens eleitores é nula. “Os debates não afectam significativamente a distância entre as previsões e os resultados da percentagem de votos”, dizem, “e não encontramos que os debates contribuam para a formação de uma escolha em qualquer grupo de votantes, incluindo entre os que dizem assistir a eles”. O que faz efectivamente mudar a opinião e a intenção de voto de um eleitor não é a televisão, é o velho e hoje desusado método da campanha porta-a-porta, feita pelos candidatos locais e por activistas dos partidos, onde uma simples conversa de 5 minutos pode, dizem os autores, “ser um método muito eficaz de mobilizar abstencionistas e persuadir os indecisos”.
O que este estudo diz (quem estiver interessado pode consultá-lo aqui) é que os debates servem para muito pouco, a não ser aumentar a expectativa dos telespectadores sobre o comportamento e boa educação dos candidatos quando confrontados pelos adversários com questões difíceis e soluções para a Saúde, Educação, Justiça, trabalho, Economia, habitação, corrupção e as dezenas de problemas e escândalos que durante meses e anos diariamente corrompem a confiança nessas soluções. Mas ninguém sai dali esclarecido, nem muda de ideias porque Pedro Nuno Santos se ofende por André Ventura lhe chamar “frouxo” (o ministro, não a pessoa, presumo) ou Mariana Mortágua evocar a sua avó. O que pensam os candidatos sobre tudo isso é irrelevante. As pessoas já têm a sua ideia formada.
O que poderia mudar a intenção de voto dos eleitores e contribuir decisivamente para o esclarecimento sobre as políticas e soluções que cada partido apresenta seria, por um lado, a despersonalização da campanha em torno de líderes apresentados como se de um concurso para “Mister/Miss Portugal” se tratasse, e a verdadeira personalização que permitisse aos eleitores escolher não um chefe de partido, mas o seu deputado. A criação de Círculos Uninominais, onde em eleições que formalmente são para eleger deputados para um Parlamento não se estivesse apenas a escolher um “primeiro-ministro”, mas sim alguém que representasse verdadeiramente a terra que o escolheu, aproximando eleitos de eleitores e dando um nome e uma cara a quem os representa. E que fosse obrigado, se quisesse ganhar a confiança dos eleitores, a ir bater-lhes à porta e explicar ao que vinha e o que queria.
Assim, os debates servem apenas para ficar a saber quem é mais fotogénico, quem é mais bem-educado, quem é mais veemente, ou quem é mais do mesmo. Servem para as estações de televisão esticarem ao tédio absoluto o entertainment e os comentadores de serviço darem as suas notas à Prof.Marcelo e discutirem os melhores lances de cada um à comentador de futebol.
Diretor do Diário de Notícias