Para quando o poder digital do cidadão sobre o espaço urbano?
Quantos de nós já nos interrogámos sobre o destino de uma casa abandonada ou ficámos perplexos com um mamarracho que surgiu naquele espaço, de um dia para o outro?
Os projetos urbanísticos e licenciamentos afetam profundamente a vida das cidades, mas na maioria das vezes, decorrem longe do olhar do cidadão comum. A falta de transparência não só mina a confiança nas instituições como impede uma participação cívica informada.
Hoje a tecnologia oferece ferramentas para aproximar os cidadãos destes processos, que permitem visualizar projetos na fase de consulta pública e no acompanhamento da sua implementação real no terreno. Apesar disso, quantos de nós já consultaram estudos de impacto ambiental, orçamentos ou cronogramas de uma obra no seu bairro?
Este distanciamento resulta em cidades moldadas sem a participação de quem lá vive, perpetuando a ideia de que decisões urbanísticas são privilégio de elites e interesses privados.
Sem transparência, multiplicam-se as práticas de corrupção, desvios de recursos e decisões que ignoram o bem comum. As ferramentas digitais podem inverter esta lógica, ao promover a eficiência e a responsabilização.
O cidadão nunca pode substituir o papel da arquitetura e da engenharia, nem tão pouco poderá alterar um projeto tecnicamente aprovado, mas pode intervir ativamente na fase de discussão pública e acompanhar a sua concretização real.
Embora os mecanismos de consulta pública existam, são frequentemente ineficazes, devido à falta de divulgação e à complexidade técnica dos documentos. Este distanciamento reforça a ideia de que o urbanismo é um território exclusivo de especialistas e burocratas, ignorando que os cidadãos são os principais impactados pelas transformações urbanas.
As ferramentas georreferenciadas 2D e 3D, realidade virtual e aumentada, permitem visualizar o impacto dos projetos, tais como os espaços verdes que poderão desaparecer, como será alterado o trânsito ou qual o património que ficará em risco.
Mas a tecnologia, por si só, não é suficiente. É urgente criar fóruns acessíveis onde a população possa discutir projetos e influenciar decisões. Uma cidade “inteligente” não se define por sensores, 5G ou Wi-Fi gratuito, mas por colocar o cidadão no centro das políticas urbanas.
Quando as pessoas têm acesso fácil, interativo e compreensível às informações, tornam-se mais envolvidas e vigilantes, pressionando as autoridades a agir em conformidade com o interesse público.
As cidades não precisam de mais showrooms tecnológicos, mas de políticas que garantam transparência, acessibilidade e escrutínio cívico. A tecnologia está disponível, mas o que falta é colocar o cidadão no topo como protagonista da cidade, transformando o espaço urbano num território verdadeiramente coletivo e participativo.