Para quando o 25 de Abril na Justiça?
O 25 de Abril, passados que são 50 anos sobre essa radiosa madrugada Libertadora, o Dia Inicial, Inteiro e Limpo, como afirmou Sophia de Melo Breyner, resumindo o sentimento de milhões de Portugueses, ainda não chegou à Justiça.
Como integrante do colectivo protagonista maior dessa epopeia, tenho de concordar com essa afirmação que, aliás, venho ouvindo e também proferindo, nestes tempos de Liberdade, Paz e Democracia.
Há uma realidade – triste realidade, contra a qual sempre lutei, desde 1974: o 25 de Abril nunca chegou e entrou na Justiça.
Nestes tempos em que a Justiça está na ordem do dia, em que os golpes de Estado se sucedem, com a substituição da força das armas pela conjugação da acção dos agentes da Justiça e dos agentes da comunicação social, onde protagonizam os chamados “Lawfare”, os golpes de Estado na moda, assistimos em Portugal a um grito de alerta que pretende mobilizar vontades no sentido de protagonizar uma mudança nessa área determinante para um Estado, que se quer livre, democrático e justo, mas só possível se for um Estado de Direito.
Um grupo de cidadãos, em número de 50 para comemorar os 50 anos do 25 de Abril, tomou a iniciativa de lançar um Manifesto para que isso seja possível.
Manifesto que foi já apoiado e subscrito por mais dois grupos de 50 cidadãos, que tem recebido apoio e aceitação de muitos mais, estando nós convictos de que a esmagadora maioria das portuguesas e dos portugueses está com os subscritores do Manifesto, porque concorda com o conteúdo do mesmo.
Fui um dos que integrou o primeiro dos grupos de 50 que se seguiram no apoio ao Manifesto.
Não duvido que nesse, como nos restantes grupos de subscritores, estão pessoas com as quais estou em desacordo em muitas coisas da vida.
Mas, também aqui, como tenho feito em muitas outras situações, privilegiei o essencial que nos poderá unir, colocando de lado o acessório, que certamente nos dividiria.
Vejamos, agora, o que penso estar na origem dos problemas da Justiça e na sua não-integração correcta numa sociedade democrática, como almejamos para Portugal.
Não tenho conhecimentos jurídicos que me permitam resolver os problemas técnicos que a solução desejada impõe. Considero, no entanto, que a questão não é técnica, mas sim essencialmente política.
E, porque me considero com a experiência suficiente para me pronunciar – presunção e água benta… - permito-me explanar algumas considerações sobre o tema.
A grande questão está, em minha opinião, na dita independência do Poder Judicial. Velho Problema que o 25 de Abril não soube, não quis ou não foi capaz de resolver. A começar pela responsabilização desse Poder Judicial que esteve ao serviço, sendo um dos seus principais suportes, do regime ditatorial de Salazar e Caetano.
No meu entender, o Poder Judicial é independente, mas apenas na área do julgamento. Na área da organização e da administração, é tão independente como os demais Poderes.
Lamentavelmente, a deturpação dessa independência leva a um exagerado corporativismo, como se o Poder Judicial não tivesse de ser controlado, escrutinado e condicionado como são o Poder Legislativo e o Poder Executivo. Vejamos que até o Presidente da República, órgão máximo da nossa soberania, é controlado, no mínimo através de eleições.
Mas o Poder Judicial assume-se como Poder Absoluto, com atitudes de “definição de Linhas Vermelhas” à acção dos outros Poderes, como acabámos de assistir por parte do novo PGR.
Isto leva-me a voltar a levantar uma questão, que há muito venho colocando: por que é que eu e os demais cidadãos comuns temos o poder de intervir na escolha dos Poderes Legislativo e Executivo, através das eleições para os vários órgãos – PR, AR, Governo (de forma indirecta), Regiões Autónomas, Autarquias – e os cidadãos que exercem funções do Poder Judicial têm toda essa capacidade e, em exclusivo, têm também a capacidade de decidirem na organização do Poder Judicial?
Daí resulta, não duvido, um enorme corporativismo dos agentes da Justiça (não conheço outro tão acentuado). Com “capelinhas” como a do Ministério Público, com um enorme exagero na distorção da concepção de uma correcta independência, nas atribuições específicas de cada organismo dos que compõem o Poder Judicial.
E, ao que assistimos?
Ao atropelo permanente dos direitos de cidadania a que todos temos direito: com ausência profunda de uma cultura dos direitos fundamentais dos cidadãos, de uma cultura de Liberdade e de respeito pelos Direitos Humanos, naturais e indispensáveis a qualquer democracia, assistimos a frequentes e exagerados prolongamentos da instrução dos processos; a buscas domiciliárias inconsequentes, muitas vezes acompanhadas em directo pela comunicação social previamente informada; a escutas prolongadas por tempos incompreensíveis e não-justificáveis; a violações do segredo de Justiça, com inaceitáveis condenações públicas, muitas vezes não-confirmadas em tribunal.
Enfim, ao atropelo das mais elementares regras de um Estado de Direito.
Não duvidemos: a situação só melhorará, quando o Poder Judicial for controlado pelos outros Poderes, formados através de eleições.
Mas isso só acontecerá quando os detentores desses outros Poderes se organizarem efectivamente, para Servir e não para se Servirem!
O que implica, no que respeita à elaboração e aprovação das Leis, que o órgão Assembleia da República se organize, não em termos de defesa de “tribos” ou outros interesses espúrios – onde os gabinetes de advogados ocupam lugar cimeiro, mas ilegítimo –, mas sim visando servir a comunidade como um todo.
E que as entidades responsáveis por vigiar o cumprimento dessas Leis, comecem por ser as primeiras a cumpri-las e sejam capazes de “não olhar, em primeiro lugar, para o próprio umbigo “, ultrapassando questões internas de competição pelo troféu do “mais importante da sua rua” e se não deixem corromper pela chaga que têm o dever de combater.
Acabámos de assistir à posse do novo responsável pelo Ministério Público.
Todos são unânimes, com excepção da agora substituída PGR, em considerar que acabámos de atravessar uma das mais lamentáveis fases dessa importante entidade.
Como sempre, “a culpa morreu solteira”: não houve consequências do seu mau funcionamento, a maior responsável vai reformar-se com uma choruda pensão, fruto de um dos inúmeros, lamentáveis e injustos privilégios que o Poder Judicial conseguiu obter para os seus agentes (até quando esses privilégios continuarão?).
O novo PGR, apesar de o seu passado como responsável maior do DCIAP dar origem a enormes críticas da parte de muitos dos especialistas na matéria – os casos são por demais conhecidos, pelo que me abstenho de os referir –, foi recebido, quase que unanimemente com “améns” de todos os sectores políticos (o medo é que guarda a vinha!...).
Para além de um entusiástico aplauso, recebido da parte do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (nunca percebi a compatibilidade entre a natureza que esses magistrados exigem para si próprios e a existência do seu Sindicato…), o que pressupõe um posicionamento da parte do novo PGR de defensor do exacerbado corporativismo que praticam.
Em contrapartida, para além de se não pronunciar abertamente pela necessidade de uma enorme limpeza que permita “arrumar a casa”, profere declarações preocupantes, como a de definir “Linhas vermelhas”, que apontam para a manutenção e até reforço do inaceitável corporativismo.
É costume conceder, ao novato, o “benefício da dúvida”.
Apesar de Amadeu Guerra não ser um novato e do preocupante “pontapé de saída”.
Assim seja! Mas, o tempo concedido é escasso. Esperemos…
Sei que estarei a sonhar.
Os interesses envolvidos, os maiores ou menores (e alguns são enormes) telhados de vidro dos diversos agentes do Poder, criam-lhes o medo, tolhem-lhes as mãos, para fazer o que o seu dever lhes impõe que façam.
E a chantagem vai funcionando, com a podridão a enlamear-nos a todos: a uns, porque usufruem do resultado; a outros, porque se não revoltam.
À espera que os políticos – o Presidente da República, mas fundamentalmente a Assembleia da República – cumpram o seu dever de aprovar e fazer cumprir as regras das várias instituições, que façam de Portugal um Estado efectivamente Democrático e de Direito (porque, os responsáveis no Poder Judicial sabem o que seria necessário fazer para que ele funcionasse eficazmente, mas lamentavelmente, não o querem fazer – veja-se artigo publicado em “O Referencial” da A25A – N.ºs 123 e 138), não quero “esperar sentado”.
Foi por isso, e para isso, que assinei o Manifesto.
É uma revolta ligeira?
Sim, mas 25 de Abril só houve um e, mesmo aí, continua muita coisa por fazer!