Os presidentes da junta
Cresci durante anos numa zona limítrofe, com uma via principal e um cruzamento a definirem fronteiras entre três freguesias de dois concelhos diferentes. Do lado esquerdo do cruzamento era uma freguesia, do lado direito outra, na outra margem da rua uma outra diferente, de um concelho diferente. Os meus amigos repartiam-se entre as três, o que era divertido para as dinâmicas de rivalidade dentro do grupo, que podia assim apontar o dedo a “parolos”, “queques” ou “remendados” consoante a freguesia de cada um.
Para outras questões do dia a dia, contudo, a divisão tornava-se mais incómoda. Apesar de morarmos todos a não mais do que a 5 ou 10 minutos a pé uns dos outros, uns tinham o centro de saúde à porta e a escola a meia-hora de distância de autocarro, outros tinham a escola mais perto e o centro de saúde mais distante, e outros nem uma coisa nem outra, enquanto a junta de freguesia podia ficar a 5, 20 ou 45 minutos, dependendo de que lado do cruzamento se morava, o que não deixava ninguém plenamente satisfeito.
É sempre assim, todos queremos ter os serviços essenciais perto de nós, ter o centro de decisão na nossa rua, ter uma palavra a dizer sobre o território próximo, como temos sobre o condomínio, mesmo quando fugimos a sete pés das reuniões que se estendem pela madrugada dentro e só lá vamos para reclamar do barulho que o vizinho fez na noite anterior. No fundo, queremos todos sentir-nos “o presidente da junta”, como Herman José tão bem satirizou numa das suas personagens humorísticas. Ou tê-lo como vizinho, para lhe poder bater à porta ou encontrá-lo no café.
Independentemente de num ou noutro caso haver razões históricas, culturais e até administrativas suficientemente fortes que o possam justificar - depois do processo de agregação (a famosa Lei Relvas) feito à bruta em 2013 sob pressão da troika - esta desagregação de freguesias aprovada pelo Parlamento na última sexta-feira sob o patrocínio de quase todos os partidos (exceção feita à Iniciativa Liberal) soa, sobretudo, a isso: a uma medida para nos fazer sentir a todos um pouco mais “presidentes da junta”, com o que isso possa trazer de benefício também a cada partido.
Ou, como destacou o presidente da Sedes, Álvaro Beleza, na conferência dos 160 anos do DN, também na sexta-feira, num país que precisa de eficiência e escala, dá um retrato de um “país de quintas e quintinhas”, um “Portugal dos pequeninos, a que eu acho graça em Coimbra, mas que não gostava que fosse o nosso caminho”. E, acrescentaria eu, uma profunda contradição num país que tanto tem teimado em adiar a regionalização, essa sim uma reforma prioritária para um modelo de descentralização mais robusto, que dê verdadeira prioridade à coesão territorial e ao desenvolvimento regional.
Editor do Diário de Notícias