Os jovens e o trabalho

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O trabalho e a forma como trabalhamos têm ganhado importância no discurso político. É inegável que hoje há uma maior consciência social para a importância do equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, quanto mais não seja porque as novas gerações que chegam ao mercado de trabalho já trazem incutido um modo de vida diferente dos pais e avós, em que o espaço para lazer, para cuidar da sua saúde mental e bem-estar se tornou um aspeto relevante ao tomarem decisões sobre o percurso a seguir. Mas há velhos hábitos enraizados na sociedade e desigualdades profissionais que tornam mais difícil passar das palavras aos atos. E que levam muitos portugueses a olharem para este conjunto de promessas (da semana dos quatro dias à redução dos horários de trabalho), vindas de todos os partidos, com alguma ironia e desconfiança sobre a real possibilidade de estas avançarem (mesmo que concordem com o mérito de algumas).

Recentemente, ouvi uma dessas histórias da boca de um jovem emigrante português. Em 2022, saiu para a Suíça e manteve o ramo de atividade, na cozinha de um restaurante. As funções eram basicamente as mesmas, mas ao contrário daquilo a que se tinha habituado em Portugal, onde os horários se podiam estender todos os dias, sem contrapartidas, na Suíça encontrou uma pressão inversa, em que o cumprimento do horário era defendido pelo gerente suíço, com um argumento lógico e simples de perceber: “Vai descansar, que amanhã quero-te aqui fresco.”

A mudança era saborosa: ganhava muito mais, poupava na alimentação e tinha mais tempo livre. Tirando alguma saudade de casa, o balanço dos primeiros meses dificilmente poderia ser mais positivo. Mas isso mudaria após a promoção de um compatriota para a gerência. Começaram por ser pedidos – “um 'jeitinho', mais meia hora, mais uma hora” –, mas com o passar das semanas tornaram-se exigências. A “sensação de déjà vu” foi o ignitor do desejo de sair. Acredito que o desprendimento próprio da juventude ajudou a concretizar a decisão. Hoje está numa nova cozinha e o gerente voltou a ser um cidadão suíço. Garante que recuperou qualidade de vida e, principalmente, paz de espírito por não se sujeitar ao que já sabia de antemão que o prejudicava.

Questionei se não seria um caso isolado, apenas um mau gerente que, neste caso, calhou ser português, ao que contrapôs com outros relatos, de outros emigrantes, que tinham passado por situações idênticas. Não insisti na argumentação. Senti que não tinha como convencê-lo. Na verdade, nem a ele, nem a mim. Mesmo que deteste generalizações, lembrei-me de injustiças a que assisti. Lembrei-me do que li sobre países que há muito cultivam o equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal, quando em Portugal essa discussão é recente e pela rama. Lembrei-me de que as mentalidades não mudam do dia para a noite e que há maus comportamentos que se arrastam e que acabam por ser replicados sem contestação, seja em Portugal ou na Suíça.

Por outro lado, reforcei uma certeza: se o país quer manter por cá os mais jovens, mais ou menos qualificados, terá de ser prioritário juntar à equação de reforço salarial+oportunidades a urgência em criar condições que impeçam o trabalho de ser uma espécie de produto tóxico para a vida pessoal e familiar. Dentro das prioridades, esta terá mesmo de constar.

Oxalá isso aconteça depressa, porque Portugal precisa de todos os seus jovens. E os jovens precisam de sinais seguros de que é mesmo possível trabalhar e prosperar no seu país, sendo produtivos e felizes tanto profissional como socialmente.

Editor executivo do Diário de Notícias

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