Os Governos nunca deviam ter “estado de graça”

Se “estado de graça” significar aquele período de tempo em que os Governos estão a promover as suas ideias para o país, durante o qual se espera dos jornalistas que coloquem os seus microfones e transcrevam estas narrativas, então nem sequer devia existir. Porque não é esse o papel de uns nem de outros numa Democracia.
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Na passada sexta-feira, o tema do programa Expresso da Meia-Noite, na SIC Notícias, era o fim do “estado de graça” do Governo e como uma estratégia de comunicação podia influenciar um eventual prolongamento desse momento. Um dos comentários inteligentes foi o que referiu o facto de que se as políticas forem danosas, não há truques de comunicação que as salve.

Uma ideia bem definida pela frase atribuída ao Presidente dos EUA, Abraham Lincoln: “Pode-se enganar todas as pessoas por algum tempo e algumas pessoas durante todo o tempo. Mas não se pode enganar todo o mundo por todo o tempo.”

Se “estado de graça” significar aquele período de tempo em que os Governos estão a defender e a promover as suas ideias para o país, durante o qual se espera dos jornalistas que coloquem os seus microfones e simplesmente transcrevam estas narrativas, então nem sequer devia existir. Porque não é esse o papel de uns nem de outros numa Democracia.

Só o facto de se perder tempo de antena a debater um suposto fim desse “estado” é sintomático de muita confusão. Aos governos eleitos cabe o poder executivo, de governar, de encontrar soluções para os problemas que afetam as pessoas em geral. Não certas classes profissionais, muito menos certas pessoas.

No caso português eles são muito evidentes e têm sido bem exibidos pelos sindicatos e outras associações representativas. Mas estes também devem saber que o Governo tem de pensar nos problemas em conjunto e não apenas nos seus em particular. A nós, jornalistas, cabe sempre escrutinar, sem nos vincularmos a corporações nem a governantes.

E isso desde o início da tomada de posse de qualquer Governo. Verificar as medidas no momento em que são anunciadas, compará-las, procurar o fundamento das mesmas e ir avaliando o seu impacto. No fundo, é o que, de uma forma geral, fazem os jornais de referência. É o que faz o jornalismo de referência, o qual o Diário de Notícias tem muito orgulho de levar à prática diariamente.

Nem sempre o conseguimos com o alcance que ambicionamos, temos humildade de aceitar e corrigir erros, de enfrentar tantas dificuldades, mas sem nunca prescindir dos valores superiores que nos guiam: a procura da verdade, a isenção e o rigor na informação, tendo como finalidade o interesse público. A liberdade de imprensa não se fez para oferecer “estados de graça” aos Governos.

Nem estes devem governar a pensar em agradar aos jornalistas. Num objetivo é possível e até saudável coincidirmos: o do serviço público. E isso passa também por não explorar sempre, ou na maioria das vezes, apenas os problemas em si mesmos, mas empenhar-nos igualmente nas suas soluções.

O chamado “jornalismo de soluções”, uma técnica jornalística que começou nos Estados Unidos e que tem sido exportada para outros hemisférios, está a fazer escola pela Europa e tem aqui em Portugal alguns precursores, como o caso do jornal digital Mensagem. Envolve as comunidades locais, não são as notícias de última hora que o move, mas são, por vezes estas os pontos de partida das histórias.

Conseguir transpor isto para escalas nacionais, para as grandes questões de saúde, da educação, de economia, do custo de vida, das desigualdades sociais, seria o verdadeiro serviço público. Dos políticos e do jornalismo.

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