Os apagões e as trevas 

Publicado a

No Brasil, desde 1971, ano do primeiro, em São Paulo, foram contabilizados 35 grandes apagões até aos dias de hoje. Os ibéricos, portanto, não só não estão sozinhos como ainda se devem é sentir uns privilegiados.  

Houve apagões para todos os gostos: em 1972, mais de 25 milhões de brasileiros foram afetados pelo black out na região Nordeste e, em 1984, 12 milhões ficaram sem energia na região Centro-Sul, situação que se repetiria duas vezes em 1985. Em 1988, milhões perderam a luz no Rio de Janeiro e em 1989 foi a vez de mais milhões ficarem sem eletricidade em São Paulo.

Uma greve, em 1990, uma queimada, em 1991, um curto-circuito, em 1992, e um incêndio, em 1993, deixaram regiões do país às escuras. Em 1994, foi a vez da Avenida Paulista, que concentra 40% do PIB nacional, sofrer apagão de sete horas. 

E foi assim, a um ritmo anual, até chegarmos, em 2001 e 2002, à Crise do Apagão, quando Fernando Henrique Cardoso estimulou black outs para conter problemas de fornecimento que causaram prejuízos multimilionários aos cofres públicos, derrubaram a popularidade do então presidente e contribuíram para a primeira eleição do rival Lula da Silva tempos depois. 

Já em 2009, 18 dos 26 estados brasileiros e 90% do território paraguaio foram afetados após falha tripla nos circuitos de uma barragem comum. E, de 2010 a 2014, houve um a dois apagões por ano, até 2023, quando quase 30 milhões foram afetados pela perda de 25,9% da energia do sistema interligado nacional. Na sequência, membros do Governo Lula atacaram a precarização dos funcionários da Eletrobras, privatizada pelo antecessor Jair Bolsonaro.

A propósito de Bolsonaro, falemos de um apagão que também afeta milhões de brasileiros e causa  prejuízos milionários: o apagão mental. Reportagem da TV Folha entrevistou membros avulsos da seita durante manifestação a pedir amnistia para os vândalos do 8 de janeiro de 2023.

Ana Oliveira, 56 anos, disse “viver em plena ditadura”, apesar de estar numa manifestação livre a favor do líder da oposição. Para Guineza Góes, 67, aqueles eventos foram “uma armadilha da turma do PT”. “Temos vídeos provando que começou de dentro para fora”, acrescentou Rosa, 71. Em lágrimas, António, 61, afirmou que “‘eles’ montaram o 8 de janeiro, foi estratégia da esquerda, todo o mundo sabe disso, eu posso morrer agora por estar falando isso”.

Mas, se os responsáveis foram esquerdistas infiltrados, para quem então os bolsonaristas se reuniram a pedir amnistia? 

Talvez para Bolsonaro. “Bolsonaro não vai ser preso em nome de Jesus porque não fez nada mas, se for, a gente vai votar nos amigos dele”, jurou Rosa. “Só voto Bolsonaro, ele é maravilhoso, ele faz tudo direitinho”, disse Odette Noronha, 78 anos. E, para o reformado Pedro Baceto, “Bolsonaro é o líder da direita, o líder da democracia, o líder da liberdade de imprensa no Brasil e no mundo”. Na Península Ibérica, apagão; no Brasil, trevas. Por favor, acendam a luz.

Jornalista, correspondente em São Paulo

Diário de Notícias
www.dn.pt