Orgulho nacional
Há cerca de um mês, realizou-se no CHULC (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central), mais concretamente no Hospital Curry Cabral, o primeiro transplante hepático pela técnica robótica feito na Europa, e o segundo a nível mundial. Um feito notável, não pela exibição técnica, mas porque representa um enorme benefício para os doentes.
Não tenho quaisquer dúvidas de que, a médio prazo, quando os robôs descerem de preço e se tornarem mais simplificados (afinal, o que também aconteceu com a laparoscopia), a cirurgia robótica vai poder transformar as cirurgias mais complexas e difíceis, em atos cirúrgicos mais seguros e acessíveis. Quem escreve estas linhas é um cirurgião reformado e um professor jubilado - que, quando foi a introdução da técnica laparoscópica, reagiu mal e demorou a adaptar-se.
Demorei um ano a perceber o grande avanço que representou esta via mini-invasiva, mas uma vez convencido fiz um pequeno estágio nos EUA, e vim paulatinamente a ser um fervoroso entusiasta, primeiro na cirurgia das vias biliares e depois noutros tipos de cirurgias. Mas sempre com a consciência clara de que a laparoscopia não era uma especialidade, mas apenas uma técnica, que deveria ser aplicada por diferentes cirurgiões, esses sim, especialistas em diferentes áreas.
Eu só fiz cirurgia laparoscópica das vias biliares, nunca me atrevi a utilizar essa técnica noutro tipo de cirurgias onde não era especialista, mesmo por via clássica.
Ora a cirurgia robótica é um grande passo em frente na realização da cirurgia dita mini-invasiva, pois em vez de utilizarmos instrumentos não-flexíveis, permite realizar movimentos nas extremidades desses instrumentos que nem a mão humana consegue realizar. Associa uma visão impossível de ter com o olho humano, tapado por outras estruturas, permite trabalhar atrás dessas estruturas com uma enorme e eficaz precisão.
Nunca fiz cirurgia robótica, porque quando conseguimos o robô no Hospital Curry Cabral, o primeiro a existir na vertente pública, eu já estava reformado. Mas mesmo que o tivesse conseguido antes da minha inevitável reforma, já não teria, nessa altura, idade para começar a treinar. Vi os meus antigos colaboradores, entre os quais o meu sucessor na liderança do CHBPTX, fazerem cirurgias hepáticas e pancreáticas por via robótica e fiquei convencido das enormes vantagens em algumas delas. Mas nunca pensei ser possível fazer uma hepatectomia total e uma implantação de um novo fígado por via robótica. Poderá não ser aplicável em todos os casos, mas naqueles em que for, é uma vantagem para o doente enorme.
Não faltarão aqueles que dirão que a cirurgia robótica não terá vantagens, nem futuro, tal como não faltaram aqueles que, como eu, não adiram logo à cirurgia laparoscópica.
Ter-se feito o primeiro transplante hepático por via robótica em Portugal e no nosso SNS, está a projetar o nome de Portugal no Mundo. O meu orgulho, na escolha que propus para ser o meu sucessor, e para os jovens cirurgiões que deixei com uma preparação técnica invulgar em termos mundiais em cirurgia do fígado, das vias biliares e do pâncreas (HPB), deve ser estendido a todos os portugueses, por ficarem a saber que no nosso SNS há condições de se realizarem terapêuticas inovadoras e benéficas para os doentes portugueses.
O mundo científico na área da cirurgia HBP, já conhecia o nosso CHBPT, mas ler o editorial do grande cirurgião francês Daniel Cherqui, um dos maiores vultos mundiais em cirurgia laparoscópica do fígado, elogiar o feito do nosso CHBPTX, é um grande motivo de orgulho, não só dos protagonistas envolvidos, mas de orgulho nacional. Velhos do Restelo existirão sempre, uns por inveja, outros apenas porque o seu tempo já passou e ainda não se deram conta dessa inexorável lei da vida. Eu estou radiante: desta vez não me enganei, nem atrasei.
Senhor Presidente da República, o senhor ensinou-nos a acreditar nos portugueses, afirmando perante alguns êxitos notáveis noutras áreas, que podemos, por vezes, ser dos melhores do mundo. O CHBPTX é uma equipa notável e marcou um golo decisivo. Sei que se inclui nos que estão orgulhosos e que se sente feliz com este feito. Tal como também o nosso Ministério da Saúde está de parabéns. O impulso do primeiro robô na vertente pública com a colaboração da Fundação Aga Khan já levou a que hoje haja no SNS essa tecnologia noutros hospitais públicos. O progresso não para. Assim haja aqueles que continuem a ser pioneiros.
NOTA FINAL: Depois do primeiro já se fizeram mais dois!!