Opinião pessoal (LXXVII) Sobre unidades de neonatologia

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Referir-me-ei, novamente, às questões associadas aos cuidados pediátricos, ainda a título de reflexão sobre os resultados divulgados pelo INE que confirmam uma subida de meio ponto na taxa de mortalidade infantil de 2023 para 2024. Este aumento, que corresponde a 42 óbitos, apesar de ligeiro, impõe análise atenta, como aqui já clarifiquei. Reconheçamos, antes de mais, que estamos a lidar com a “lei de pequenos números”, que dificulta a análise de tendências que visa objetivar o rumo da evolução da mortalidade infantil. Seria, por isso, mais aconselhável observar uma série temporal maior, em lugar de centrar a nossa atenção apenas em 2024.

Já aqui foquei o interesse em explicitar o número de crianças que nasceram prematuras ou com baixo-peso. É um assunto que me interessa especialmente, não só pelo rigor no exercício de interpretação do problema, como também por razões pessoais que irei precisar.

Eu e meu irmão gémeo nascemos com baixo-peso. Na altura, o obstetra de minha mãe, Coelho de Campos, tinha antecipado a gravidez gemelar no decurso das consultas pré-natais. Sem demoras, o meu pai, que era médico nos Hospitais Civis de Lisboa, tratou de planear as ações assistenciais para garantir os cuidados necessários e prevenir riscos. Tudo pensou. Tudo organizou. Mas, durante o consulado de Salazar, os programas de proteção materno-infantil eram muito frágeis. Portugal era o país mais atrasado da Europa Ocidental. Por esta razão, meu pai preparou os cuidados neonatais possíveis, para a época. Neste sentido, contou com a colaboração de Fernando Sabido com quem tinha estudado na Faculdade. Na falta das incubadoras modernas que hoje existem nas maternidades, eu e meu irmão, recém-nascidos com baixo-peso, fomos colocados numa espécie de estufa, enrolados em algodão e alimentados por regime especial concebido por Fernando Sabido. Recuperámos rapidamente, ao contrário do que acontecia com a maioria das crianças portuguesas nascidas nas mesmas condições. Teremos sido, provavelmente, os primeiros casos de sucesso de Fernando Sabido que, 10 anos antes, tinha iniciado o internato de pediatria no Hospital Dona Estefânia. Ainda bem. Estamos cá.

Mas, agora, vivemos outro tempo. O Serviço Nacional de Saúde dispõe da rede de novos hospitais que estão equipados com unidades de neonatologia de excelência. Atualmente, é possível assegurar não só a sobrevivência das crianças, mas também evitar sequela. Para tal, os pediatras organizam programas preventivos de intervenção precoce até à adolescência: ações que mobilizam e integram médicos, enfermeiros, técnicos, familiares e professores.

Um êxito. Quase sempre.

Ex-diretor-geral da Saúde

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