Opinião pessoal (LXVIII) sobre Almeida Santos
Tal como escrevi em crónicas anteriores, os desenhos de Álvaro Cunhal, aqui publicados, foram oferecidos, por ele mesmo, ao seu conterrâneo António Almeida Santos (1926-2016), no final das reuniões do Governo que os dois integraram em 1974 e 1975. Mais do que o valor artístico que exibem, é o simbolismo que esses traços representam que justificou a sua divulgação. Foi a filha mais velha de Almeida Santos, cuidadora do património documental deixado por seu pai, que me fez chegar cópias digitalizadas dos originais que cuidadosamente preserva. Ainda bem que assim calhou pelo indiscutível interesse público em proporcionar a sua difusão mais ampla, nestas páginas.
Como se sabe, Almeida Santos marcou a política portuguesa, primeiro como democrata líder da Oposição em Moçambique e depois, já em Lisboa, a partir de Abril de 1974, como dirigente do Partido Socialista, governante e Presidente da Assembleia da República.
A sua vida assumiu aspetos cativantes que conheci, atendendo à proximidade que mantive com ele. Encontrei-o, pela primeira vez, em Bissau, em novembro de 1989. Na altura, eu residia na capital guineense, onde era médico da Organização Mundial da Saúde e Almeida Santos aí estava de visita oficial. No seu hotel, à margem da agenda protocolar, conversei com ele sobre temas que procurei orientar porque sabia do seu percurso no Governo. Forcei, por isso, como principal foco do nosso diálogo, assuntos relacionados com o processo de descolonização, visto que Almeida Santos tinha sido ministro com essa pasta durante os governos provisórios. Naturalmente, a minha atenção estava centrada nas etapas que envolveram a Guiné-Bissau. A Independência fora, unilateralmente, autoproclamada a 24 de Setembro de 1973, nas Colinas do Boé, ainda no tempo de Marcelo Caetano, mas logo reconhecida por 80 países. No plano jurídico, portanto, a questão assumia uma dimensão distinta das outras colónias. O meu interesse era compreensível porque sabia a versão dos dirigentes do PAIGC contada por eles próprios em repetidos convívios de amigos, havidos em minha casa, desde que eu chegara a Bissau, em Outubro de 1980. Porém, com Almeida Santos, seria possível perceber o outro lado. Aproveitei ao máximo a ocasião. Segui com imensa atenção os seus relatos. Notei a estima que tinha pelos líderes dos guerrilheiros, designadamente Aristides Pereira, Luís Cabral e Pedro Pires. Ao mesmo tempo, Almeida Santos reconhecia o imprescindível apoio do MFA. Disse-me que admirava Costa Gomes pelo equilíbrio inteligente como conduziu a descolonização e que discordava da forma como certos setores políticos, mesmo do seu Partido, o criticavam.
(Continua)
Ex-diretor-geral da Saúde
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