Opinião pessoal (LXV) Sobre Avelino Cunhal

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No 3.º ano do ensino liceal fui aluno de Avelino Cunhal no Colégio Valsassina. Foi o professor que mais marcou a minha formação cívica, por razões que tentarei esclarecer. Na altura, eu era ainda um adolescente de 13 anos de idade. Nas suas aulas comecei a perceber a importância da História e da Filosofia no processo de aprendizagem geral. Conhecer as teorias filosóficas ajudava-me a organizar a inteligência.

Um dia, durante o intervalo, procurei Avelino Cunhal no gabinete dos professores para lhe dizer que tinha sabido, pelo meu Pai, que o seu filho conseguira, com êxito, fugir da prisão de Peniche, onde estava há mais de 10 anos.

A conversa havida foi, para mim, uma emoção inesquecível. Ao toque da campainha iniciámos, eu a seu lado, o regresso pela escada de acesso à sala de aula. Com a mão por cima do meu ombro, subimos juntos. Pressenti a sua satisfação pela minha ação solidária.

Até ao 7.º ano, véspera da minha entrada na Faculdade, acompanhei-o sempre que possível. Fora das aulas Avelino falava pouco, mas era um gosto estar perto a ele.

Avelino era uma figura distinta que tinha, naquele tempo, 73 anos. Nascera em Seia, em 1887. Conterrâneo de Afonso Costa (1871-1937), durante a I República foi governador civil da Guarda (1922). Em 1924, mudou-se para Lisboa onde fez advocacia, antes de ser professor.

Como escritor e pintor, Avelino viria a destacar-se no Movimento Neorrealista que, desde cedo, integrou. As suas obras, quer literárias quer de pintura, retratam a vida de trabalhadores e são profundamente humanitárias.

Em 1965, Avelino Cunhal publicou dois livros: Senalonga - pequenas histórias de uma vila em 1900 e uma peça para teatro. Li-os de uma assentada. O primeiro, uma coletânea de contos no final da Monarquia e o outro sobre uma empregada doméstica que é acusada de ter roubado a dona da casa.

Avelino morreu em fevereiro de 1966. Estive presente no Alto de S. João. Foi enterrado, sem acompanhamento religioso e em cova simples, em zona quase inacessível do cemitério. Minutos depois da urna ter chegado ao terreiro interior da entrada, uma camioneta com grua descarregou uma enorme coroa de flores enviada pelo seu filho Álvaro.

Seguramente, Avelino teria tido um palco ainda mais relevante se não tivesse sido encoberto pela exposição pública de seu filho Álvaro (1913-2005).

Em 2005, voltei ao Alto S. João para acompanhar o cortejo fúnebre de Álvaro Cunhal. Uma jornalista que cobria a marcha, ao reconhecer-me no meio da imensa multidão, perguntou-me:

- Por cá, também?

- Olhe, estive aqui há 40 anos pelo pai e agora estou pelo filho, respondi.

Julgo que não terá percebido a minha resposta.

(Continua)

Ex-diretor-geral da Saúde

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