Opinião pessoal (LXIV)
A partir de agora, as crónicas das quartas-feiras passarão a narrar acontecimentos que testemunhei ou que me foram relatados por fontes credíveis que serão identificadas. Assim decidi porque guardo na minha memória episódios que considero terem um certo interesse público. Deixam de ser lembranças exclusivamente minhas para passarem a atingir uma dimensão mais vasta.
Hoje, descrevo as manifestações, em Lisboa, que tiveram início a 28 de Abril de 1931 que celebraram a proclamação da República de Espanha. Nesse tempo, meu Pai, Carlos George, estudava na Faculdade de Medicina, ao Campo de Santana. Juntamente com outros colegas da Associação de Estudantes participou na iniciativa de desfraldar uma bandeira vermelha no mastro da varanda principal do imponente edifício da faculdade em sinal de solidariedade com a República, em Espanha, que tinha sido proclamada a 14 de Abril, no seguimento da vitória eleitoral dos republicanos que levou à fuga do rei Afonso XIII de Bourbon.
Ora, este gesto de hastear uma bandeira vermelha deu origem a grandes polémicas nos meios conservadores. O evento foi considerado como prova da indisciplina que reinava no país e que refletia uma iminente catástrofe que se avizinhava.
Portugal, na altura, era governado por Domingos de Oliveira (1873-1957) que enfrentava uma frágil situação política marcada por forte instabilidade, agravada por inúmeros problemas sociais (68% da população era analfabeta).
Mas, 1931, era a época das pesquisas científicas de Egas Moniz que, simultaneamente, desempenhava as funções de presidente da Faculdade. A 30 de abril desse ano, Egas acabaria por ser detido na Cadeia do Limoeiro na sequência da “crise” da bandeira vermelha hasteada na sua faculdade e das manifestações que se seguiram. Essa detenção, embora por pouco tempo, foi resultado da firme recusa de Egas Moniz em obedecer ao ministro da Instrução Pública que pretendia que a polícia fosse chamada a intervir pelo próprio presidente da Faculdade. Apesar da recusa de Egas, as forças policiais entraram brutalmente na faculdade, provocando aparatosos alvoroços.
Carlos George contava o evento da bandeira com visível satisfação. Para ele, era exemplo de audácia e irreverência, mas também de coragem, características das lutas estudantis. Não escondia o orgulho em ter participado na sua organização. Costumava dizer que a Associação de Estudantes era um ambiente ímpar de democracia pura.
Salazar que era, então, ministro das Finanças de Domingos de Oliveira, no ano seguinte viria a substituí-lo como presidente do Conselho. Ajudou Franco a fazer cair a República, com imenso sangue, oito anos depois do içar da bandeira vermelha na Faculdade.
Ex-diretor-geral da Saúde
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