Opinião pessoal (LIII)
Recentemente, reli dois magníficos livros que estavam, desde há muito, guardados na estante. Tinham sido comprados por minha mãe para a biblioteca que organizei em jovem. Refiro-me à História da Eletricidade Estática (1954) e à História do Átomo (1955), ambos escritos por Rómulo de Carvalho e publicados pela Atlântida, no âmbito da Coleção Ciência, para gente nova.
Foi uma boa ideia que tive para gozar os dias festivos que agora terminaram. Gostei de refrescar a memória relacionada com os alicerces do conhecimento científico daquelas áreas básicas. Prazer tanto maior porque conheci de perto Rómulo de Carvalho (1906-1997). Foi uma personalidade ímpar da Cultura. Professor eminente. Escritor. Poeta. Assinava os textos científicos com o seu nome e os outros como António Gedeão. Na altura, muitas pessoas, certamente, não associavam o poeta que fabricou a Pedra Filosofal ao professor de Química.
Rómulo e António Gedeão eram muito considerados, o primeiro como pedagogo e o segundo como poeta.
A dedicação de Rómulo de Carvalho ao ensino marcou muitas gerações de alunos, tendo contribuído para elevar a imagem de qualidade adquirida, então, pelo Liceu Pedro Nunes, mesmo para além da sua aposentação.
Morreu aos 90 anos, a 19 de fevereiro de 1997. No dia seguinte, estive presente nas cerimónias fúnebres que tiveram lugar na Basílica da Estrela. Em última despedida, participei, no meio de imensa multidão, no cortejo a pé que faria uma paragem simbólica na Avenida Álvares Cabral, mesmo em frente ao Liceu. Alunos, colegas e funcionários públicos acenaram com visível comoção. Tributo público genuíno apenas reservado aos nossos melhores.
Rómulo residia em Campo de Ourique, na Rua Sampaio Bruno, à distância de 15 minutos do liceu, em andamento normal. Via-o muitas vezes. Ao sair de sua casa dobrava a esquina para a Rua Coelho da Rocha que percorria sem parar. Passava em frente da casa onde vivera Fernando Pessoa e logo depois alcançava o Pedro Nunes, rebordando o muro do Cemitério Inglês.
Ensinava muito. Não só os alunos que frequentavam as aulas, mas também através da prosa que escrevia ao alcance de todos. Um exemplo.
Rómulo e Natália Nunes, juntamente com a filha Cristina, moravam no 3.º direito do número 18 da Rua Sampaio Bruno. Era uma casa típica da classe média de Lisboa, que algumas vezes frequentei. Lembro-me de espreitar com curiosidade a sala, virada para as traseiras, onde Rómulo escrevia, especialmente depois do jantar.
Ao contrário de Natália Nunes, mais divertida, Rómulo não comunicava com os jovens que visitavam Cristina. A sua presença impunha um certo temor reverencial (aborrecimento que seria gerado pela minha mente, claro).
Ex-diretor-geral da Saúde
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