Opinião pessoal (XLVI)
Os dez desafios enumerados no artigo anterior, não incluem aquele que é, muito certamente, o maior, uma vez que é transversal a todos os riscos que iremos defrontar no futuro. Refiro-me à pobreza que teima em persistir e até, em muitas situações a agravar-se.
Este problema da pobreza e da relação que apresenta com a doença tem sido demonstrado e descrito, cientificamente, a partir de meados do século XIX.
Foram muitas as investigações exatas que clarificaram essa associação. A principal foi do médico alemão Rudolf Virchow (1821-1902) que, no seguimento do pedido do Governo, foi enviado à região da Alta Salésia (atualmente território polaco) a fim de estudar a forma de controlar a epidemia de tifo, que se propagava de forma preocupante entre os mineiros de carvão.
Depois de ter diagnosticado a doença e a forma como se transmitia, elaborou um relatório com propostas concretas. Para surpresa de governantes e patrões, a mais importante das medidas que Rudolf Virchow apresentou era simples: aumento imediato dos salários!
Virchow logo percebeu que a miséria das condições de vida e a falta de higiene eram consequência da pobreza e das condições de exploração impostas aos mineiros. Concluiu que sem rendimentos familiares não era possível assegurar higiene familiar. Ora, o tifo é transmitido por piolhos...
Desde as investigações conduzidas por Virchow e do célebre relatório que apresentou em 1847, foi o próprio patronato que compreendeu essa relação entre pobreza e doença. Por outras palavras, pagando mais, os mineiros teriam mais saúde e, portanto, estariam aptos para fazer a extração de carvão com normalidade, sem interrupções por doenças evitáveis.
Conclusão social: Os rendimentos familiares dos trabalhadores, mesmo em situação de incapacidade, desemprego ou de velhice, têm de ser assegurados em nome de princípios de Justiça Social.
Conclusão moral: a pobreza não pode ser politicamente aceitável.
Em Portugal, depois dos 50 anos da Proclamação da Liberdade, o regime não é, ainda, inteiramente democrático, atendendo à existência de um largo fosso social (gap) que impede o acesso igualitário à Saúde e à prevenção das doenças, incluindo no que respeita ao acesso a certas vacinas que evitam infeções e as suas complicações graves.
Reparemos na diferença entre dois adultos, ambos com 65 anos de idade, os dois diabéticos, mas um rico e o outro pobre.
O primeiro, compra, sem dificuldade, a nova vacina de alta dose contra a gripe e a vacina contra o herpes zoster, mas o segundo, não tem meios para as comprar. Um fica protegido e o outro desprotegido (portanto, com maior probabilidade de adoecer por doença evitável).
Inaceitável!
(Continua)
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