O terceiro pesadelo

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Concordo com Juncker. Os ventos estão a mudar na Europa. Infelizmente não na direção de "amigos para sempre" que o presidente da CE apontou, mas pelo contrário no sentido da hostilidade e da fragmentação crescentes. Depois da subtileza granítica de Rajoy e do PP na gestão do referendo catalão sobre a independência, Puidgemont, ao contrário do que muita gente esperava e alguma desejava, efetuou ontem em Barcelona uma intervenção moderada e conciliadora, que deixa a Madrid a responsabilidade de escolher entre subir ou baixar a tensão. Ninguém pode dizer se a Espanha será capaz de manter a sua integridade, reinventando-se através de uma verdadeira reforma constitucional federal, ou se vamos para um desfecho baseado na asfixia e isolamento da velha rebeldia catalã. Lamentavelmente, os ventos que sopram na Europa são os do nacionalismo agressivo, intolerante e ressentido. Na guerra civil que matou a Jugoslávia, nos anos 1990, perante a indiferença e até com cumplicidade de alguns países da UE, vimos a barbárie outra vez à solta. Na verdade, as sementes do ódio nacionalista nunca foram extirpadas, ficaram apenas em pousio à espera de uma nova oportunidade. Os neonazis no Bundestag rimam com as exigências do governo nacionalista de Varsóvia que ameaça pedir a Berlim uma indemnização astronómica pelos custos colossais infligidos à Polónia na Segunda Guerra Mundial, reabrindo um dossiê que se julgava encerrado. Continuo a insistir que na raiz de tudo isto está a errada resposta europeia à crise financeira de 2008. Também aí, o egoísmo nacional capturou a zona euro transformando-a numa máquina austeritária de divergência e desigualdade. A devastação económica sentida por quase toda a Europa, incluindo todos os países do Sul, contribuiu para o ascenso de forças centrífugas de todos os tipos.

A luta pela construção do Estado-nação fez algum sentido no século XIX. Mas a nobre visão de Giuseppe Mazzini (1805-1872) de que a unificação nacional poderia ser a antecâmara para a harmonia europeia subestimou a componente patológica do nacionalismo. Pelo contrário, no século XX, o nacionalismo lançou por duas vezes a Europa e o mundo no abismo. A luta entre os nacionalismos que triunfaram, como o de Madrid, e os nacionalismos que falharam, como o de Barcelona, arrisca esconder e agravar o verdadeiro problema europeu. Para sair da zona de perigo em que mergulhou, a Europa teria de se refundar numa democracia alargada e não na idolatria do Estado nacional. O Conselho Europeu é hoje uma patética concretização da União Europeia proposta pelo Abbé de Saint-Pierre, em 1713. Uma Europa que garantia a segurança dos príncipes e a obediência dos povos. As elites políticas nacionalistas atuais recusam construir uma verdadeira união política, que lhe faria perder poder tanto para um verdadeiro governo europeu, rompendo com os interesses instalados, como para os cidadãos europeus concretos, que se tornariam soberanos de pleno direito tanto na esfera política de cada país como na esfera europeia. A Europa é hoje governada por gente que, esmagadoramente, não tem uma ideia para o nosso futuro comum. Agarraram-se ao que está, ou refugiam-se num passado mítico que nunca existiu. Se não acordarmos deste terceiro pesadelo de renacionalização europeia, o seu desfecho não será diferente das duas tragédias do último século. Se Madrid e Barcelona - com estes ou outros interlocutores saídos de eleições - conseguirem um diálogo político, civilizado e pacífico, isso será uma esperança para todos os europeus.

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