1. Uma nova lei de bases da saúde que defenda o SNS. A prestação de cuidados de saúde à generalidade da população é um dos maiores sucessos da democracia portuguesa. Em poucas décadas foi possível recuperar um atraso civilizacional de mais de meio século, colocando Portugal entre os países de mundo com melhores serviços de saúde. Continuamos a queixar-nos e com boas razões para isso. São horas de espera nas urgências e centros de saúde, semanas de espera por consultas de rotina, meses de espera por algumas cirurgias e anos de espera por um médico de família. Ainda assim, continua a ser nos hospitais da rede pública que os portugueses mais confiam. Estas conquistas não podem ser dadas como certas. Nos últimos 30 anos a saúde assumiu-se como um negócio muito lucrativo, conduzido por interesses poderosos. Já não estamos a falar de consultórios privados ou de pequenas clínicas, mas de grandes grupos económicos que prosperam na razão directa da degradação dos serviços públicos. Em 2019 vai discutir-se uma nova Lei de Bases da Saúde. Que sirva para assegurar um Serviço Nacional de Saúde que seja público, universal, de qualidade e tendencialmente gratuito..2. Novas metas para o aumento do salário mínimo nacional. A partir de hoje o salário mínimo para um trabalhador a tempo integral é de 600 euros, o que representa um aumento de 23,7% face a 2014. De todas as medidas de política tomadas nos últimos anos esta é provavelmente a que teve maiores impactos na sociedade portuguesa. Contribuiu decisivamente para reduzir a pobreza entre as pessoas que trabalham e para dinamizar a procura interna, com efeitos positivos na actividade económica e no emprego. Contrariamente ao que alguns afirmavam, o aumento progressivo do salário mínimo não levou à redução do emprego, nem a um menor ritmo de criação de postos de trabalho. Apesar daquele aumento, o salário mínimo em Portugal continua a ser o mais baixo da Europa ocidental, sendo ligeiramente inferior ao grego e cerca de 2/3 do espanhol (que atingirá os 900 euros em 2019). Durante este novo ano devem ser estabelecidas novas metas para um aumento gradual do salário mínimo nacional no médio prazo, visando atingir pelo menos 750 euros em 2023..3. Tratar a violação do segredo de justiça como um atentado ao Estado de Direito. A prática tornou-se tão comum que muitos não se apercebem que estamos perante uma violação escandalosa dos direitos fundamentais de qualquer cidadão. Há quem insista em ver os casos sucessivos de publicação na comunicação social de escutas, imagens e textos que se encontram em segredo de justiça como parte necessária do combate à corrupção. Isto é um erro crasso. Num Estado de Direito os fins não podem justificar os meios. Há casos especialmente hediondos de violação do segredo de justiça, em que indivíduos inocentes são julgados na praça pública, sem qualquer direito efectivo de defesa e com consequências devastadoras para a sua vida. Mas não é só. Quando são os próprios agentes de justiça a decidir em que casos o julgamento público deve substituir ou complementar os procedimentos previstos nas leis da República, são os direitos fundamentais que estão em causa. Já há ex-políticos a caminho da prisão por tráfico de influências - ainda bem. Seria bom que 2019 fosse também o ano em que houvesse responsáveis condenados por colocar nas televisões e nos jornais conteúdos que estão sujeitos a segredo de justiça. O contributo para o bom funcionamento da democracia portuguesa não seria menor do que o combate à corrupção por titulares de cargos públicos..4. Listas de candidatos que dignifiquem a democracia. No ano que agora começa seremos chamados a votar em duas eleições, as europeias e as legislativas. Os deputados que forem eleitos terão uma missão reforçada. Já não se trata apenas de cumprir as funções parlamentares de escala nacional e europeia. Perante a ameaça do populismo autoritário que tem vindo a espalhar-se por todo o mundo, os representantes dos cidadãos nos órgãos de soberania têm de conseguir convencer a população que a democracia representativa e o Estado de direito servem o bem de todos - e não são só para benefício de alguns. Demasiadas vezes pressentimos que os lugares nas listas de deputados são um prémio de lealdade a pessoas sem outras qualidades relevantes, ou prateleiras douradas para políticos em fim de carreira pouco empenhados nos cargos que irão ocupar. Seria bom que 2019 fosse o ano que em que as direcções dos partidos percebessem o estrago que causam ao escolherem para nos representar pessoas incapazes de enriquecer a democracia..5. Discutir de forma qualificada as políticas que importam. Jorge Sampaio, enquanto Presidente da República, disse um dia que "há mais vida para além do orçamento". Chamava assim a atenção para a necessidade de não concentrar todo o debate sobre a governação na evolução das contas públicas. Passados 15 anos o apelo continua válido. Dedicam-se horas de televisão e muitas páginas de jornais a discutir décimas de défice e cativações. Por contraste, as inúmeras intervenções do Estado que determinam o nosso destino comum passam quase despercebidas. A pouca atenção dada aos detalhes da política pública não decorre apenas de escolhas editoriais. Os partidos tendem a dar pouca importância a medidas cujos resultados não se vêem no imediato, mesmo que sejam decisivas para o futuro do país. O resultado, com frequência, são políticas mal pensadas, de baixa qualidade e muito pouco escrutinadas. No caso das contas públicas criaram-se entidades dedicadas à análise das escolhas e práticas governamentais. Seria bom que 2019 ficasse para a história como o ano de criação de uma unidade parlamentar de apoio técnico à avaliação das políticas, que ajude a colocar no centro do debate público as iniciativas que mais interessam ao nosso futuro colectivo..Economista e professor do ISCTE-IUL