O jornal "Público" é um jornal democrático?
Ontem de manhã recebi um e-mail do jornal "Público", assinado pelo excelente jornalista Manuel Carvalho. Li o seguinte:
"Serve a presente para recusar a publicação do texto enviado ao abrigo do direito de resposta por a notícia em causa não conter referências à Global Media Group que possam afetar a sua reputação e boa fama. De resto, as informações eventualmente incorretas constantes na mesma - e não ofensivas da reputação e boa fama - puderam ser contraditadas numa segunda notícia sobre o tema, na qual o requerente deste Direito de Resposta foi citado pela jornalista Isabel Salema - e poderiam tê-lo sido no primeiro momento através do contacto feito com um administrador da Global Notícias.
Acresce que o direito de resposta deve ser exercido pelo seu titular ou representante legal, o que não é o caso, o que é igualmente motivo da recusa.
Por último, o texto em causa tem 4 880 caracteres e o texto enviado ao abrigo do alegado direito de resposta tem 9 967 caracteres, pelo que a sua eventual publicação - agora recusada - sempre teria de pagar a quantia de 3600 euros, nos termos do art.º 26.º n.º 1 da Lei de Imprensa (...)."
Em causa estava um texto que enviei ao jornal - igual ao que publiquei aqui na segunda-feira - em que tentava explicar, de forma factual, que o património identificado num artigo do "Público" como "arquivo do Diário de Notícias" era muito mais vasto do que aquele que um grupo de personalidades circunscreveu para eventual classificação patrimonial, num requerimento enviado à Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas.
O artigo, como o leitor pode confirmar, não pretende "matar o mensageiro" nem criticar a ideia de classificação de património que motivou o grupo de personalidades a tomar essa iniciativa - pretende apenas esclarecer os leitores sobre a realidade desse acervo e explica como os autores do requerimento cometeram vários erros que desvalorizam esse património único.
Não se procurava uma polémica, procurava-se o esclarecimento.
Telefonei, nessa segunda-feira, ao subdiretor do "Público", David Pontes, que conheço pessoalmente e com quem tive o prazer de trabalhar, explicando a minha intenção de enviar tal artigo e as motivações que me guiavam.
Ele perguntou-me se o queria publicar como artigo de opinião ou como Direito de Resposta, ao que respondi que me era indiferente. Ele avisou-me então que ia colocar o meu pedido à consideração da redação. Tudo correto.
Ao fim da tarde o David comunicou-me a decisão do jornal de não publicar o artigo.
Fiquei espantado: então o "Público" achou, e bem, que era editorialmente relevante fazer uma notícia sobre o requerimento de um grupo de cidadãos que pretende que o Estado classifique o arquivo do Diário de Notícias (que, como expliquei, não existe, o que existe é o arquivo da GMG), mas não acha importante informar os seus leitores sobre o que quem dirige esse arquivo tem a dizer, explicando a realidade da dimensão do património em causa e identificando os erros, indiscutíveis, cometidos na fundamentação do texto dos requerentes?...
Encolhi os ombros e avisei: "Não faz mal, David, envio isso como Direito de Resposta".
Quinze minutos depois pedi ao diretor do "Público", por e-mail, a publicação do artigo, ao abrigo desse direito previsto na lei, com conhecimento para o David Pontes, com quem falara antes, e para a ERC, o organismo do Estado que fiscaliza a publicação dos Direitos de Resposta na imprensa.
Ao fim de 50 horas sem qualquer réplica, enviei novo e-mail para os mesmos destinatários a pedir informação sobre a decisão dada ao meu pedido.
A comunicação veio na manhã seguinte e foi a que transcrevi no início deste texto...
Tantas perguntas espantadas me suscitam aquelas poucas linhas!!
Escrever, como aconteceu no artigo do "Público", que " o arquivo histórico do Diário de Notícias está em risco devido à situação financeira da empresa proprietária" não causa danos à "reputação e boa fama" da Global Media Group, dos jornalistas e demais trabalhadores do DN? Eu acho, evidentemente, que sim.
Escrever, como aconteceu no artigo do "Público", que "o acervo documental encontra-se atualmente arrumado num armazém, inutilizável e em risco de poder vir a desaparecer no contexto da crise que atravessa a empresa proprietária" não causa danos à reputação e boa fama da Global Media Group e de quem gere este material? Eu acho, claramente, que sim.
O fraseado do "Público" não causa danos à minha reputação profissional enquanto Diretor da Direção de Documentação e Informação, ao dar ideia que deixo este património ao deus-dará? Eu acho, factualmente, que sim.
E não causa danos à reputação profissional do António Magalhães, da Sara Guerra, da Cristina Cavaco, do Luís Matias, da Paula Granjo e da Irene Roncon, os arquivistas que todos os dias, alguns deles há décadas, servem os jornalistas da empresa e o público em geral, na guarda, catalogação, conservação e disponibilização de todo este acervo? Eu acho, indiscutivelmente, que sim.
Difundir uma lista de conteúdos desse arquivo que não corresponde à realidade não nos coloca, a mim e a estes arquivistas, sob suspeita de incúria, negligência, desvio ou roubo? Não era aceitável e leal publicar essa correção e considerar-me parte legítima para o exercício do Direito de Resposta? Claro que sim.
A publicação de um segundo texto que, supostamente, segundo Manuel Carvalho, faria a retificação necessária e suficiente desta matéria, só me aumentou a perplexidade.
Porque é que o segundo artigo do "Público", que supostamente me deu voz e supostamente corrigiu os erros do primeiro artigo (em apertados e contrariados dois parágrafos, no fim do texto), não noticiou que o arquivo da GMG não está "inutilizável" num "armazém"?
Porque é que o segundo artigo do "Público" não escreveu que todas as publicações do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias estão microfilmadas e em PDF pesquisável?
Porque é que o segundo artigo do "Público" não informou que o arquivo fotográfico que estava no antigo edifício do DN está junto às redações de Lisboa da Global Media Group e não no tal "armazém", "inutilizável", e é usado todos os dias por jornalistas e cidadãos interessados?
Porque é que o segundo artigo do "Público" não diz que o protocolo, já estabelecido, que enviará as coleções de jornais da Global Media Group para o Arquivo Sophia Melo Breyner, tem um compromisso de 20 anos, o que retira à partida qualquer possibilidade do seu extravio ou delapidação, o principal receio dos requerentes?
Todas estas informações - e muitas outras - foram ignoradas pelos dois artigos do "Público", apesar de eu as ter fornecido. É pena, pois acredito que os leitores do jornal gostariam de as conhecer... mas não pode ser porque o Direito de Resposta, leio naquele e-mail, é só para responder a ofensas, para uso de Presidentes de Conselhos de Administração, para os seus advogados ou para quem pague... para gente pouco importante tentar esclarecer os leitores, o exercício de Direito de Resposta no "Público", pelos vistos, não serve.
Há aqui muito suposto respeitinho pela letra da lei, mas uma total falta de respeito pelo rigor, pela procura da verdade, pela aceitação do confronto de perspetivas sobre uma mesma realidade.
...Mas vou tentar mais uma vez.
Seguiu, ontem, um pedido de exercício de Direito de Retificação para o "Público" assinado por mim, pelo António Magalhães e pela Sara Guerra, coordenadores comigo da Direção de Documentação e Informação da Global Media Group, em defesa da reputação e do bom nome profissional de todos os que trabalham com o arquivo da GMG.
Como não temos 3600 euros para dar, lá encurtámos o texto para os 4880 caracteres que Manuel Carvalho exige - os leitores do "Público" é que perdem com as falhas de informação provocadas por tal corte.
O Estatuto Editorial do "Público" afirma que o jornal "considera que a existência de uma opinião pública informada, ativa e interveniente é condição fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta, que não fixa fronteiras regionais, nacionais e culturais aos movimentos de comunicação e opinião".
Fico à espera de ver se, apesar deste momentâneo desvio autoritário, que não só não admite contraditório como exclui informação complementar e vive obcecado com o medo da contestação, o "Público" volte a reconhecer-se num comportamento jornalístico honestamente democrático, de acordo com os seus próprios princípios editoriais. Espero, sinceramente, que sim.