Uma frágil imunidade ao populismo

Começo pelo fim e com alguns conselhos. Compre e leia jornais - bons jornais ou mesmo os menos bons -, escute e veja rádios e televisões de referência. Na internet, consulte os sites desses jornais, rádios e televisões. Se perdeu o hábito de ver os telejornais das oito da noite, regresse. Se não compra jornais nem ouve noticiários na rádio, volte.

Numa altura em que podemos fazer zapping entre uma daquelas séries de catástrofe política e social na Netflix para um noticiário sem que se note grande diferença - escrevo numa altura em que acaba de ser descoberta mais uma pipe bomb endereçada a Robert De Niro, em Nova Iorque e minutos depois do reino da Arábia Saudita ter admitido que o assassínio do jornalista Jamal Khashoggi foi premeditado -, é essencial que se mantenha informado. Bem informado. E não, os títulos, fotos ou memes que vai vendo a correr no Facebook ou Twitter não chegam.

Não confie. Desconfie sempre, até mesmo do que lhe chega através dos meios de comunicação de referência. Pare, leia e pense. As redações, mesmo as mais atentas, com a pressão do clique e das audiências, também podem ser vítimas de fake news.

Multiplique as fontes. Veja aqui, oiça ali e leia acolá. E não se fique por meios que lhe dão conforto ideológico, espreite o outro lado. Nas redes sociais, não siga apenas quem partilha das suas opiniões. No final do dia, quando tiver de decidir um voto, por exemplo, até pode estar no exato sítio de onde partiu, mas terá chegado a essa decisão mais informado, mais completo.

Temos dado como adquirido que vivemos num país imune a extremismos ou populismos. O nosso sistema político-partidário tem demonstrado resistência a uma onda a que poucos países europeus têm escapado. Podemos agradecer a um partido comunista e um movimento sindical que dão sentido de representação e de protesto a quem não tem voz, e a um Presidente que parece ter uma linha direta com cada cidadão.

Há vários fatores que explicam o fenómeno, estão identificados, mas convém ficarmos atentos a sinais contrários. Esta semana foi fértil em exemplos. Começo pelo belo trabalho do Paulo Pena aqui no DN - identificou a origem e o autor de um site de "notícias" com uma relação demasiado solta com a verdade. Sim, fake news, mentiras com objetivos políticos bastante claros - o site chama-se Direita Política - fabricadas em Portugal.

É ao Direita Política que diversos grupos no FB vão beber "informação". Umas vezes simples leituras enviesadas da realidade, números e factos distorcidos ou retorcidos, e noutros casos mentiras em estado puro. É revelador que muitas vezes os alvos destes grupos não são António Costa ou a Geringonça, mas antes Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa.

Estes grupos no FB, representando uma direita que pouco ou nada tem a ver com o centro político, formaram-se nos primeiros dias da nova maioria e lidam particularmente mal com dois factos: a perda do poder para uma maioria de esquerda liderada pelo PS quando o PSD foi o partido mais votado e a perda do partido que ocuparam entre 2010 e 2018, o PSD, para Rui Rio. Quanto a Marcelo, nesse caso é apenas o facto de o Presidente não ter dissolvido o Parlamento mal pôs os pés em Belém. É impressionante o quanto o Presidente os incomoda, o que não deixa de ser um bom sinal.

Outro sinal da semana foi a resposta de um sindicato da PSP às críticas contra a publicação de fotos de três fugitivos acabados de capturar, algemados e sentados no chão. Nessa resposta, uma estrutura sindical da Polícia usou imagens de idosos agredidos - os detidos são suspeitos de assaltos violentos a pessoas idosas. Pequeno detalhe? As imagens não eram reais, ou melhor, eram reais mas não eram de idosos assaltados e espancados pelos tais fugitivos, e nem sequer eram fotos de idosos portugueses. Um caso, convenhamos, bem mais grave do que as fake news políticas.

Dir-me-ão que nada disto é especialmente sério, que é guerrilha política e corporativismo extremado. Seja. Agora, espreitem caixas de comentários na net e escutem conversas de café. Há cidadãos, eleitores, votos disponíveis a acreditar no que quer que seja, desde que vejam reforçadas as suas convicções.

A sociedade portuguesa está mais dividida do que os resultados eleitorais têm demonstrado e talvez a abstenção seja o manto que vai disfarçando essa polarização. Há matéria-prima eleitoral por explorar, eleitores sem representação e a cada dia tenho menos certezas de que, em votando, eles venham a cair nos partidos "tradicionais". Basta que apareçam alternativas.

Dito isto e já que chegou aqui tão longe, recomendo a releitura dos conselhos dos primeiros parágrafos.

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