Quando a Europa não cuida da democracia

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1. Hoje mostramos no DN um mapa preocupante. Trata-se da representação do índice democrático da Freedom House - uma ONG criada em 1941 e que tem como uma das suas missões avaliar a saúde das democracias. Olhar para o Centro e Leste da Europa é uma visão assustadora.

Enquanto o resto da Europa andou embalada pela crise das dívidas soberanas, enquanto a Comissão Europeia estava ocupada com discursos moralistas e castigos ao sul, Viktor Orbán transformou a Hungria num regime autoritário e cada vez menos democrático. Desde 2010, o partido de Orbán, o Fidesz, tem usado uma maioria robusta para reescrever a Constituição e reestruturar a ordem legislativa na Hungria. Tudo dentro da legalidade, mas afastando o país do conceito de Estado de direito democrático ou democracia liberal. A lista é longa. A justiça está ao serviço da maioria, o sistema eleitoral desvirtuado, a maioria dos órgãos de comunicação social críticos do poder foram neutralizados - encerraram as portas -, a máquina do Estado está ao serviço de interesses privados e a corrupção é a norma. Universidades privadas e ONG independentes estão na mais recente lista de alvos de Viktor Orbán. O mesmo que, desde 2010, se senta à mesa de cimeiras europeias e de reuniões do Partido Popular Europeu sem que seja alvo de críticas ou reparos dos outros líderes europeus ou dos seus pares no PPE. Comparando com o que se passa na Hungria, a nossa "asfixia democrática", que tanto tempo ocupa ao PSD, é brincadeira de criança.

Sabemos que a União está frágil. Enfrenta a primeira deserção e treme à beira das eleições francesas. Sabemos que há uma crise de lideranças e que há matérias, como a segurança e a defesa, em que a Europa falha por falta de uma voz comum. Creio que esta é uma fragilidade bem mais séria. Os princípios fundadores da União estão a ser violados diariamente em diversos Estados membros. A Hungria não é caso isolado - a Polónia está a seguir o mesmo caminho em passo mais acelerado. Para que o projeto europeu mantenha o mínimo de coerência e solidez há linhas vermelhas que devem ser respeitadas. Mais do que a quebra de solidariedade entre os Estados e de tudo o que se passou nos últimos anos, na reação à crise das dívidas, estes são temas essenciais, inegociáveis. Os princípios básicos do Estado de direito e as regras fundamentais da democracia não podem ser negociáveis. As instituições europeias não podem conviver alegremente com este tipo de mudanças de regime e os líderes europeus não deviam sequer aceitar sentar-se à mesma mesa com figuras como Viktor Orbán.

A real politik tem poucas regras e fronteiras elásticas, mas o impacto deste acolhimento caloroso da União a regimes autoritários e a democracias menos que perfeitas terá custos. Não podemos passar o dia indignados com o crescimento de movimentos populistas e extremistas em França ou na Holanda e depois olhar para o lado quando alguém se lembra da Hungria ou da Polónia.

2. Uma nota final, a propósito da reação de Passos Coelho aos números do desemprego. No dia em que a taxa caiu para um único dígito, ficando abaixo dos 10%, Pedro Passos Coelho disse o seguinte: "A descida [do desemprego] é mérito da reforma que foi feita, ainda no meu tempo, e que foi aprovada, na altura, quer com as instituições europeias quer com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e que tem vindo a provar os seus frutos." Não viria grande mal ao mundo com esta frase, não é uma tática estranha em política. O problema, como parece começar a ser regra com o PSD, é a memória. Há pouco menos de um ano, em maio de 2016 e com o governo em funções há cerca de seis meses, o mesmo Pedro Passos Coelho dizia isto: "Só no último trimestre (entre janeiro e março) perderam-se 48 mil postos de trabalho em Portugal. Se alargarmos este comparador até novembro do ano passado (data da tomada de posse do governo PS), a destruição de emprego pode atingir quase 60 mil."

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