Das autárquicas às próximas legislativas

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Não se pode fazer leituras nacionais dos resultados das eleições autárquicas. Uma frase tão repetida por estes dias. Contudo, dois governos caíram por causa de maus resultados autárquicos (AD em 1982 e Guterres em 2001). Várias vezes foram parte da estratégia partidária de consolidação de poder (AD em 1979, PSD em 1985, PS em 1997, 2005 ou 2009). E não poucas vezes as eleições autárquicas foram importantes no assalto a esse poder (PS em 1993, PSD e CDS em 2001). Por outro lado, também houve situações em que o partido derrotado nas eleições autárquicas percebeu o cartão amarelo e reajustou a sua estratégia para ganhar as eleições legislativas seguintes (PSD em 1989, PSD e CDS em 2013). Portanto, evidentemente, as eleições autárquicas têm implicações para a vida política nacional. Outra coisa é que sejam um bom indicador para as próximas eleições legislativas. Em geral, não são. No caso das eleições de domingo, contudo, atrevo-me a dizer que, para desgosto da direita, são mesmo um aviso importante.

Do lado da esquerda, o PS queria consolidar o seu poder. Partindo de um bom resultado em 2013 e da solução "gerigonceira" depois do desgosto das eleições legislativas em 2015, o PS usou estas eleições para legitimar o seu governo. O resultado foi inequivocamente bom: o melhor resultado autárquico da sua história. Contudo, penso que está longe de indicar uma maioria absoluta nas próximas legislativas. Há evidentemente um efeito claro de "mexicanização" do sistema partidário - o PS controla o governo e, com amplas vantagens, muitos municípios urbanos, enquanto o PSD desapareceu das grandes cidades. Trata-se, pois, de uma enorme alavancagem eleitoral, mas de modo algum garante o grande êxito em 2019. Os quase dois milhões de votos que obteve no domingo são insuficientes. A abstenção desceu ligeiramente (de 47% para 45%) e o PS tem de encontrar eleitorado adicional para uma maioria absoluta nas legislativas (onde a abstenção também foi "somente" 44% em 2015).

A CDU e o BE queriam apenas assegurar que a gerigonça não os fazia perder posições. A CDU perdeu câmaras relevantes para o PS e desce de 11,1% para 9,5% a nível nacional. Um resultado bastante amargo e algo inesperado. Mas penso que em próximas eleições legislativas voltará a ter os habituais 400 a 450 mil votos (tem sido assim desde 2002). Já o BE partia de uma posição de extrema debilidade em 2013 (apenas 120 mil votos e 2,4%) com um excelente resultado nas legislativas de 2015. Portanto, estas não eram eleições difíceis para os bloquistas, que cresceram ligeiramente (170 mil votos e 3,3%). Estão longe da CDU. Estão longe de ter a influência autárquica de um partido parlamentar de 10%, mas ganham algum fôlego até às legislativas.

Do lado da direita, o CDS também partia de uma situação diminuída, pelo que bastava um bom resultado em Lisboa para rumar para as legislativas sem dramas internos. O desempenho de Cristas dificilmente poderia ter sido melhor. Continuo a pensar que o CDS perderá inevitavelmente cerca de metade da sua bancada em próximas eleições (regressando aos 7%), mas Cristas consolidou a sua liderança por agora (note-se, por exemplo, que os resultados nacionais do CDS não refletem o bom desempenho em Lisboa e voltam a estar abaixo dos 4%). Já o PSD foi o que tinha de ser. O resultado autárquico de 2013 tinha sido o pior da história do PSD. Conseguiu ser ainda pior. Errou na estratégia, errou nos candidatos nos centros urbanos, errou na mensagem, errou na campanha. O PSD é um partido impopular neste momento, justa (como acha a esquerda) ou injustamente (como acham os apoiantes de Passos). Em termos autárquicos, a direita vem a descer desde 2001, ora porque é governo ora porque é oposição. Tem um problema estrutural como tenho vindo a repetir. Não me parece que qualquer mudança no PSD neste momento possa impedir uma profunda derrota em 2019. Agora, há derrotas e derrotas, há "poucachinhos" e há ser esmagado. Depende do PSD perceber que resultado pretende em 2019.

Os independentes continuam a ser a quarta força autárquica (mantém-se nos 7%, mas ganhando mais quatro câmaras do que há quatro anos) a que podemos juntar outras duas câmaras (JPP e NC), num total de 19 controladas por outras forças políticas. Rui Moreira teve um excelente resultado no Porto (maioria absoluta). Mas tudo indica que esta dinâmica ficará apenas no reino autárquico, sem repercussão em próximas eleições legislativas. Não haverá partidos novos à la Macron. Assim, nas próximas legislativas, tudo dependerá, mais uma vez, dos habituais atores políticos (por exemplo, quer as candidaturas independentes quer o deputado do PAN foram notavelmente marginalizados das tertúlias partidárias da noite eleitoral).

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