A crise do PSD (III): a sociologia eleitoral do "passismo"

Com esta crónica, termino um ciclo de três textos sobre a crise do PSD. Recordemos os argumentos principais. Primeiro, a crise do PSD é estrutural e não meramente conjuntural. Remonta ao final do cavaquismo e reflete-se no posicionamento do partido no sistema partidário português desde 1995 - suplente do PS, governando apenas quando este apodrece e precisa de uma cura na oposição (certamente curta, pois tem sido de apenas uma legislatura). Segundo, desde 2013, o PSD enfrenta a dinâmica eleitoral mais complexa da sua longa história (piores resultados em duas eleições autárquicas, em europeias e em legislativas). Perspetivam-se, pois, três cenários para o seu futuro: "spdização", "sorpasso" ou implosão. Nas duas últimas semanas, expliquei porque acho o "sorpasso" assim como a cisão parlamentar (uma vez que a implosão autárquica já é uma realidade desde 2013) evoluções pouco prováveis (mas nunca impossíveis). Hoje concentro-me na "spdização".

O resultado eleitoral da coligação PSD-CDS em 2015 foi um dos piores desde 1975. Desde o fim do cavaquismo, em 1995, a direita apenas teve um resultado pior com Santana Lopes e Portas, em 2005, com menos vinte mil votos do que em 2015. Por exemplo, com Fernando Nogueira e Manuel Monteiro, em 1995, somou mais 500 mil votos do que em 2015. E foi uma derrota da direita. Com Manuela Ferreira Leite e Paulo Portas, em 2009, a direita somou mais 150 mil votos do que em 2015. E foi outra derrota da direita. Ou seja, nas anteriores derrotas da direita, o PSD e o CDS tiveram significativamente mais votos do que na "vitória" de 2015.

Sabemos dos estudos pós-eleitorais o que aconteceu ao eleitorado da direita em 2015. Em quase todos os grupos etários, a coligação voltou aos níveis de 2009. Exceto nos pensionistas e, particularmente, nos pré-pensionistas. Portanto, o PSD tem dois problemas distintos. Por um lado, voltou a níveis eleitorais que não lhe permitem ganhar eleições em maioria com o CDS (ficando assim na oposição, por muito que insista numa qualquer ridícula tese da legislatura roubada ou convenções constitucionais que nunca existiram). Por outro lado, alienou um grupo etário para além dos meros efeitos conjunturais. Evidentemente que isso deriva da política de austeridade que implementou. Justa ou injustamente (a minha posição sempre foi que certos cortes eram inevitáveis, mas isso já é matéria de opinião), o eleitorado acima dos 60 abandonou o PSD e isso condenou o partido a uma longa permanência na oposição.

Existem eleitoralmente três caminhos para o PSD recuperar deste revés. O primeiro seria convencer, de novo, os antigos eleitores do PSD acima dos 60 a regressar ao partido. Foi esta a leitura que fez o "passismo" tardio. O discurso do diabo, primeiro. Depois, afinal o efémero crescimento económico de 2017 era obra dos cortes do programa de austeridade. E, finalmente, desde a saída do procedimento por défice excessivo até à eleição de Centeno, tudo se deve a Passos. Claro que isto não convenceu ninguém. E assim o PSD voltou a repetir o "pior resultado da sua história" nas autárquicas. A minha convicção é que podem vir dez diabos que o eleitorado acima dos 60 que o PSD perdeu em 2015 não volta ao PSD. Andará no BE, no PAN, na abstenção, até no PS em próximas eleições, mas ao PSD não volta. Foi um corte emocional que o PSD não percebeu e não mediu. Gente que toda a vida votou PSD e se fartou da austeridade (principalmente depois do irrevogável).

Perdido este eleitorado, a opção do PSD poderia ser encontrar outro. O segundo caminho seria recrutar voto jovem. Acontece que os jovens não votam (estima-se que a abstenção abaixo dos 30 ande nos 60% a 70%). Mas pior. Os estudos que se conhecem mostram que a proporção PSD/CDS é menos favorável ao PSD no grupo etário jovem. E o BE tem um peso desproporcional nesta faixa etária. Portanto, para ter alguma hipótese eleitoral, o PSD teria de atrair voto jovem que atualmente prefere o BE. Deixando à esquerda a agenda da igualdade de género, dos valores de uma sociedade moderna e apostando numa retórica reacionária como fez nestes dois últimos anos, o PSD provavelmente perdeu, em vez de ganhar, votos nesta faixa etária. Resta o terceiro caminho. Mobilizar abstencionistas e votos brancos. Evidentemente que este eleitorado está farto dos partidos. Só uma agenda de regeneração, higiene democrática, limpeza do aparelho e anticorrupção poderia minimamente entrar neste eleitorado. Dadas as responsabilidades e a história recente, este PSD simplesmente não pode fazer esse discurso. Apenas um PSD completamente diferente poderia abrir esse caminho.

Contas feitas, a "spdização" é, assim, inevitável. Com Rio ou com Santana. Para uma longa travessia no deserto, que a sociologia eleitoral do "passismo" impõe. E o PSD sabe isso. Por isso, os candidatos à liderança são quem são. E todos sabemos que, caso ganhe Santana em janeiro, o resultado eleitoral de 2019 será o pior da sua história recente (abaixo dos 1,6 milhões de votos de 2005). É que o problema já não será mobilizar novos eleitorados, mas convencer quem votou Santana em 2005 a sair de casa no dia das eleições. Já sei que o PSD tem direito a sonhar. E que sonhe muito. Mas os números são o que são. E não enganam. Ou inventam eleitores, ou repetem o "pior resultado da sua história". Citando o falecido Dr. Mário Soares, "quem avisa amigo é".

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