Eu vi uma estrela americana a ver as estrelas num castelo alentejano
Imagine um belo recanto de Portugal longe de quase tudo, uma serra ainda mais isolada, e um castelo no topo de uma colina, onde já houve uma vila, Noudar. Foi onde ontem vi as estrelas e onde vi também uma estrela americana vê-las, fascinada a ouvir as explicações em português. Era Ellen Rabiner, contralto, figura reputada da ópera, profissional da Met de Nova Iorque. Uma semideusa de voz de encantar, encantada com o Alentejo.
Rabiner cantou primeiro em Barrancos, no Cine-Teatro, e depois fez quase uma hora de carro para chegar ao castelo de Noudar, onde comeu uma bifana e bebeu uma mini. Não percebi se aproveitou também o gaspacho da ementa preparada pelos bombeiros, uma daquelas soluções imaginativas do Terras Sem Sombra, festival que este ano tem os Estados Unidos como país parceiro.
Descobri por acaso o Terras Sem Sombra, um festival que começou por ser alentejano mas agora também vai algumas vezes à Extremadura espanhola. O conceito é notável: música, património, biodiversidade. Sempre atividades de acesso gratuito. Ninguém teve de pagar para ouvir Rabiner cantar Summertime em Barrancos.
Já contei que vi as estrelas no céu sobre o castelo de Noudar, velho de sete séculos. A decifrá-las estava o astrofísico Nélson Nunes, cujas explicações das constelações estavam salpicadas de piadas que faziam rir a assistência, a contralto incluída, poliglota a escutar, tal como a cantar. Também já contei que a vi a beber uma Sagres? Pois o embaixador americano também. George Glass fez questão de ir a Barrancos pela primeira vez (eu também!) para ouvir a compatriota e subir até Noudar. Não falhou a bifana e disseram-me que antes, recebido pelas autoridades locais, teve direito à oferta de um presunto de Barrancos, de grande fama.
Já entrevistei o embaixador Glass para o DN sobre as relações entre os Estados Unidos e Portugal, ontem vi-o a fazer a melhor das diplomacias, descobrindo cada vez mais o país onde foi colocado, juntando-se aos barranquenhos com a embaixatriz para uma ceia improvisada. Também deu para perceber que tinha alguns conhecimentos de astronomia, e antes, num pequeno discurso no Cine-Teatro de Barrancos, contara mesmo que o pai era astrónomo amador, paixão natural no país que pôs o primeiro homem na Lua, vai fazer agora a 20 de julho meio século.
O embaixador disse no tal minidiscurso que aprecia muito o Alentejo pela gastronomia, o vinho e o património, mas que não esquece a importância da economia e que há investimentos americanos que podem vir para a região, seja o terminal de gás em Sines seja projetos agrícolas no Alqueva. A ouvir estava o presidente da câmara de Barrancos, o socialista João Serranito Nunes. Também vi o presidente da EDIA, José Pedro Salema, mais tarde a tentar olhar para um telescópio posto no castelo.
Voltemos à estrela Rabiner. A diva que estava em palco, acompanhado ao piano por Nuno Margarido Lopes, vestia um elegante vestido longo verde. A americana simpática que subiu a Noudar estava de calças de ganga e ténis. Talvez para facilitar que a atenção se fixasse nas estrelas que estavam no céu.