"É preciso não esmorecer", diz-nos um grande português

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Jorge Sampaio cultiva um sentido de humor muito especial, ao ponto de brincar com ter ficado em casa no dia 25 de abril de 1974. "Devo ter sido o único português a cumprir as recomendações do MFA", disse há dois dias em Óbidos o antigo presidente da república, na abertura do curso de verão ali organizado pelo IPRI da Universidade Nova, com coordenação de Nuno Severiano Teixeira.

O sorriso no fim da frase de Sampaio revela muito deste grande homem que hoje faz 80 anos, afinal ninguém é perfeito, todos cometemos erros, o que importa mesmo é o que fica de nós. E de Sampaio fica muito, como saberá quem tiver lido a biografia escrita por José Pedro Castanheira. Sintetizando: um advogado filho de servidores públicos oriundos da burguesia, os célebres Bensaúde pelo lado materno, um opositor ao salazarismo que foi expulso da universidade e mereceu a atenção da PIDE, um democrata convicto que chegou à liderança do PS e, se nunca foi primeiro-ministro, conseguiu ser eleito presidente da câmara de Lisboa (numa aliança com o PCP que foi muito mais ousada do que a geringonça de António Costa) e presidente da república. Um homem de princípios, um político de grande cultura.

A minha carreira jornalística não foi de proximidade com Sampaio. A minha colega Graça Henriques sim pode dizer isso e vale a pena ler o que ela escreve hoje no DN sobre o antigo presidente - até estava com ele quando Timor se tornou independente. E o meu atual diretor, Ferreira Fernandes, teve acesso aos bastidores da campanha presidencial de 1996 (vitória sobre Cavaco Silva e vingança das legislativas de 1991), daí nascendo um livro. Mas tive um dia um jantar com Sampaio que recordado hoje parece de outro mundo: à mesa estava o diretor da Biblioteca de Alexandria, que depois me daria, na hora dos cafés, uma entrevista.

Confesso que praticamente me limitei a ouvir a conversa, que decorreu num inglês perfeito que Sampaio aprendeu no berço com a mãe. Só quando me dão oportunidade de referir a minha passagem pelo Iraque, e atrevo umas frases em árabe egípcio para surpresa de Ismail Serageldin, entro um pouco na conversa, com Sampaio a comentar: "este Diário de Notícias faz-me sempre umas surpresas".

Na segunda-feira em Óbidos, onde estava também o presidente da câmara Humberto da Silva Marques, fiquei feliz por Sampaio me reconhecer. Sei que chamar-me Leonídio ajuda, mas soube-me bem. No final sugeri que o pequeno grupo tirasse uma fotografia com aquela figura tão serena como marcante. Não esqueço a principal mensagem que deixou sobre os tempos que correm, e das ameaças à democracia liberal que tanto prezamos, e que em Portugal se começou a construir há 45 anos: "é preciso não esmorecer".

Dirão alguns que é sampaiês. Que seja: é um grande alerta aos políticos, aos jornalistas, aos académicos, à sociedade em geral. E também um incentivo. Obrigado, presidente Sampaio, prometo não esmorecer.

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