Como Maradona vingou a Guerra das Malvinas
Não sei se Maradona seguia a série The Crown, que na Netflix relata com alguma liberdade criativa a família real britânica. Mas se o futebolista que morreu nesta quarta-feira tivesse visto agora a quarta temporada, certamente detestaria o modo determinado como Gillian Anderson, a atriz que encarna Margaret Thatcher, ordena o envio de tropas para reconquistar as Falkland aos argentinos. Estamos na primavera de 1982 e neste ponto a série é muito fiel à realidade.
Em busca desesperada de apoio popular, a Junta Militar argentina mandara invadir as ilhas Malvinas (assim lhes chamam os argentinos, que as reivindicam até hoje), mas a armada britânica enviada por Thatcher impôs-se após percorrer 13 mil quilómetros, descendo todo o Atlântico. Morreram mais de 600 argentinos e uns 250 britânicos nos dois meses de conflito, mas as ilhas permaneceram sob a Coroa, como desde 1833. E lá continuam a viver os súbditos britânicos com quem Thatcher sentiu obrigação.
Derrotada, a Argentina libertou-se da ditadura. Mas mesmo em democracia não se libertou do sentimento de humilhação. Quatro anos depois, num jogo do Mundial de Futebol no México, a vitória sobre a Inglaterra serviu de consolo. Maradona marcou com "a mão de Deus" e depois com uma das melhores jogadas individuais de sempre consumou o triunfo. Estava feita a vingança da Guerra das Malvinas. Simbólica, mas saborosa para os patriotas argentinos.
Poucos jogos, de futebol ou não, tiveram este peso político. Destaco um jogo de polo aquático em 1956, nos Jogos Olímpicos de Melbourne. A Hungria ganhou à URSS por 4-0 e na piscina viu-se sangue. Semanas antes, os tanques soviéticos tinham esmagado a revolta húngara, entrando em Budapeste para garantir que o sistema comunista não era posto em causa.
Sobre as Malvinas, ainda neste ano Maradona tinha voltado a reivindicá-las como terra argentina.